Se a resposta à pergunta acima for positiva, acredito que
você deva ler o texto abaixo. Se for negativa e você não entende o motivo,
também tem que ler.
Antes do texto propriamente dito, selecionei três pequenos
trechos que já nos dão uma noção da reflexão que vem por aí.
“...enquanto eu, você e nossas mães nos sentíamos radiantes
durante essa comemoração, muitas outras crianças se sentiam miseráveis.”
“...não me esqueço como uma amiguinha” ficava sempre tensa
quando chegava esse dia. A mãe dela quase nunca conseguia comparecer a essas
celebrações.”
“Se eu fico triste por não ter festinha de dia das mães na
escola do meu filho? Ora, ora, eu já sou adulta, sei lidar com as minhas
frustrações.”
Leia abaixo a
íntegra.
“Eu sei que muitas mães gostam dessa festinha, porque se
lembram das celebrações de dia das mães da própria infância. As crianças
ensaiavam músicas e grandes apresentações e, nessas cerimônias, entregavam os
presentes às mães, que iam sempre às lágrimas. A sua adorava a homenagem e você
ficava super orgulhosa em “desfilar” com ela por aí.
Mas eu preciso te contar uma coisa: enquanto eu, você e
nossas mães nos sentíamos radiantes durante essa comemoração, muitas outras
crianças se sentiam miseráveis. Eu não me esqueço como uma amiguinha, a
Daniela, ficava sempre tensa quando chegava esse dia. A mãe dela quase nunca
conseguia comparecer a essas celebrações. Era “desquitada”, como se dizia
naquela época, ex-marido não queria saber da família e, por isso, trabalhava
dobrado para sustentar os filhos. No dia da tal festa, o chefe não queria nem
saber de liberá-la por algumas horinhas. Lembro da gente pequena, flores na
mão, esperando as mães entrarem na sala de aula para uma dessas festinhas. A
Daniela dizia, baixinho “se ela não vier, eu não vou perdoar, se ela não vier,
não vou perdoar”. A mãe só apareceu lá pelo meio da apresentação, muito
atrasada e com cara de ‘desculpa, filha’. Minha amiga já estava magoadíssima,
inchada depois de verter lágrimas silenciosas para não atrapalhar a música que
os colegas, alheios ao seu sofrimento, cantavam a plenos pulmões. Havia uma
menina órfã de pai na mesma sala. Os pais tinham mais dificuldade em aparecer
nas tais festas, e isso era considerado, mas sempre que a data chegava ela
sofria ao explicar para todo mundo que o pai tinha morrido quando ela ainda era
um bebê e, por isso, aquele homem tão velhinho fazendo o papel de pai nas
festas era, na verdade, o avô.
Confesso que quando meu filho entrou na escolinha estranhei
que, com a chegada do mês de maio, não tivesse nenhuma convocação para a
festinha do dia das mães. Na sexta-feira anterior à data até recebi um
presentinho na mochila – acho que algum desenho de uma mão gorducha que se
imprimiu à folha de sulfite depois de mergulhada na tinta, uma coisa muito
fofa. Mas festa? Nenhuma. Perguntei a razão à professora e ela me lembrou o
óbvio. Nem todos os alunos têm mães, nem todos os alunos têm pais, outros têm
duas mães, nenhum pai, ou dois pais, nenhuma mãe. Lembrou-me que há crianças
que são cuidadas pelos avós, pelos tios, pelos padrinhos. Eu olhava ao meu
redor e via que todas as crianças da classe do meu filho tinham mães e pais,
mas a vida não era assim, estávamos numa bolha que, a qualquer momento, podia
estourar.
E estourou, claro, a bolha sempre estoura.
Anos depois, essa mesma professora querida do meu filho
morreu em um acidente de carro. A filha dela sobreviveu. Estuda na escola onde
a mãe lecionava (e onde meu filho ainda estuda), lida com as lembranças
doloridas de quem só perdeu pai e mãe na infância sabe quais são mas, ainda
bem, não tem que lidar com o tormento da festa do dia das mães. Um menino da
mesma série do meu filho perdeu o pai para uma dessas doenças que aparecem sem
pedir licença. Duro? Duríssimo! Ainda bem que essa criança não tem que lidar,
também, com o tormento que poderia ser a tal festa do dia dos pais. Além das
mães (e dos pais) que morreram, têm que os que sumiram, os que são negligentes,
os violentos. Seria justo fazer uma criança passar semanas e mais semanas na
expectativa de comemorar algo que, para ela, não merece ser comemorado só para
que eu, mãe da “bolha” possa ter alguns minutos de felicidade? Não, né?
Por isso muitas escolas acabaram com as tais festas do dia das
mães e dos pais e instituíram o dia da família, comemorado em uma data
aleatória. Nessa festa, o foco é celebrar quem cuida, acolhe e educa essa
criança: são avós, tios, padrinhos, uma mãe-solo, um pai-solo, dois pais, duas
mães e até, olha só, um pai e uma mãe. Em tese, toda criança tem alguém, ou
várias pessoas e elas merecem ser celebradas.
Se eu fico triste por não ter festinha de dia das mães na
escola do meu filho? Ora, ora, eu já sou adulta, sei lidar com as minhas
frustrações.”