domingo, 15 de dezembro de 2013
Esperando algo da vida
Hoje, lendo tirinhas da Mafalda
(como as que estão abaixo) lembrei-me de um poema de Gramsci. As tirinhas da
Mafalda, na verdade do Quino, são sensacionais. Leia e reflita.
Mas, por favor, não se contente
com a tirinha. Leia também o poema do Gramsci e aprofunde a reflexão.
Assim como ele, também odeio os
indiferentes. Alguns, como Bertolt Brecht alertou, são analfabetos políticos.
Mas, grande parte não. São apenas “indiferentes”.
Como diz Gramsci, “Indiferença
é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.”
Os Indiferentes
Antonio
Gramsci
“Odeio os indiferentes. Como
Friederich Hebbel acredito que ‘viver significa tomar partido’. Não podem
existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário.
Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os
indiferentes.
A indiferença é o peso morto da
história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se
afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda
a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do
que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os
assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta
heróica.
A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas
atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode
contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais
bem construídos; é a matéria bruta que
se revolta contra a inteligência e a sufoca.
O que acontece, o mal que se
abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode
gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à
indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos.
O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça
quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa
enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que
depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só
uma sublevação poderá derrubar.
A fatalidade, que parece dominar
a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste
absentismo.
Há fatos que amadurecem na
sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da
vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso.
Os destinos de uma época são
manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com
ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não
se preocupa com isso.
Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície;
o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a
arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco
fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que
quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e
quem foi indiferente.
Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que
se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam
piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta
questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer
valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu?
Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao
fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade
àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam
(com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.
A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de
insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras
brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer
responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não
serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais
urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo,
são todavia igualmente urgentes.
Mas essas soluções são
belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é
animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do
pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam
ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.
Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias
de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como
cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que
fizeram e, sobretudo, do que não fizeram.
E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão,
que não posso repartir com eles as minhas lágrimas.
Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão
comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa
cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que
aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência
dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se
sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado,
e que pretenda usufruir o pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta
realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não
conseguiu o seu intento.
Vivo, sou militante. Por isso
odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.”
OBS.: Os grifos são meus.
in La Città Futura, 11/2/1917
(atualíssimo)
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
"Caminho da Escola" e outros programas
A Folha publicou no
último domingo (8/12) um texto do jornalista Vinícius Torres. Uma amiga me
perguntou: “Como isso saiu na Folha? Ainda mais na coluna desse cara!”
Bom... Não é somente
este texto. Parece que, depois de as últimas pesquisas apontarem crescimento
das intenções de voto em Dilma Rousseff, que firma as possibilidades de vitória
já no primeiro turno, a Folha já se deu conta de que não vai dar para impedir a
vitória do PT nas próximas eleições presidenciais. Será que estão querendo
alguma coisa? Não tenho dúvida.
Mas, voltando ao texto,
ele fala de programas do Governo Federal, como o “Caminho da Escola”, que “daqui do centro rico de São Paulo, o Brasil [...] e
muitas ações do governo parecem invisíveis. Quase ninguém ‘daqui’ dá muita bola
para programas populares dos governos do PT até que o povo miúdo apareça
satisfeito em pesquisas eleitorais.”
Não estou, nem de
perto, defendendo o PT ou seu governo. Apenas observei que o jornalista (e
talvez a Folha) percebeu que “daqui, muitas ações do governo parecem
invisíveis. Ninguém dá muita bola para programas populares do governo. Até que
apareçam as pesquisas eleitorais”.
Mas, tenho certeza
de que, quando sair o resultado das urnas, muitos e muitas “inteligentes” “daqui”
vão chamar nordestinos e todos os outros povos beneficiados pelos “invisíveis” programas
do Governo Federal de “ignorantes”. Será?
Leia o texto da Folha:
Lá no Brasil invisível
Em uma viagem pelo interior mais pobrezinho do Nordeste, este jornalista
deu com uma cena que então parecia meio exótica. Crianças alimentadas, numa
barulheira alegre, lotavam um ônibus escolar amarelo como aqueles de filme
americano, mas estalando de novo.
De onde saíra aquilo? Na lataria, estava escrito: "Programa Caminho
da Escola - Governo Federal". O jornalista confessa com vergonha que até
este ano jamais ouvira falar do "Caminho da Escola". Além do mais,
tende a desconfiar de que alguns desses programas com nomes marqueteiros sejam
ficções, que existam apenas naquelas cerimônias cafonas de anúncios oficiais.
O "Caminho da Escola", porém, financiou quase 26 mil ônibus
desde 2009, em mais de 4.700 cidades. Digamos que os ônibus carreguem 40
crianças cada um (deve ser mais). Dá mais de 1 milhão de crianças. Conhecendo a
falta de dinheiro e as distâncias das escolas nos fundões do país, isso faz uma
diferença enorme.
Daqui do centro rico de São Paulo, o Brasil, esse país longínquo, e
muitas ações do governo parecem invisíveis. Quase ninguém "daqui" dá
muita bola para programas populares dos governos do PT até que o povo miúdo
apareça satisfeito em pesquisas eleitorais.
Juntos, tais programas afetam a vida de dezenas de milhões de pessoas,
tanto faz a qualidade dessas políticas, umas melhores, outras nem tanto, embora
nenhuma delas seja nem de longe tão ruim quanto a política econômica.
Quem "daqui" conhece o Programa Crescer (Programa Nacional de
Microcrédito)? Existia desde 2005, foi reformado por Dilma Rousseff em 2011,
quando passou a contar com crédito direcionado e juro baixo, ora negativo (5%,
abaixo da inflação).
O Crescer já financiou o negociozinho de 3,5 milhões de pessoas, um
terço delas recipientes de Bolsa Família. Tem uma versão rural, mais antiga,
mas vitaminada nos governos do PT, o Pronaf, que ofereceu crédito a juro real
ainda mais baixo a 2,2 milhões de agricultores pequenos na safra 2012/13.
O Pronatec já é mais falado, mas pouco conhecido (até mesmo pelo
governo, que só agora começou a fazer uma avaliação de resultados). Irmão mais
novo e em geral grátis do universitário Prouni, trata-se de um conjunto
variadíssimo de ações que procura oferecer cursos profissionalizantes e
técnicos (ensino médio).
Desde sua criação, foram mais de 5 milhões de matrículas (há evidências
esparsas de grande evasão, de uns 20%, mas ainda falta estatística séria). A
maioria das vagas é reservada para os mais deserdados dos brasileiros.
Reportagem desta Folha mostrou que os 13 mil médicos do Mais Médicos
devem estar ao alcance de cerca de 46 milhões de pessoas no ano que vem. Não é
uma política ampla de saúde, está claro. Mas, outra vez, vai resolver muito
problema de muita gente deserdada desta terra.
O Minha Casa, Minha Vida já entregou 1,32 milhão de casas; tem mais 1,6
milhão contratadas. Beneficia 4,6 milhões de pessoas.
Junte-se a isso tudo as já manjadas transferências sociais, em dinheiro,
crescentes em valor e cobertura. É muita gente "de lá" beneficiada.
Goste-se ou não do conjunto da obra, o efeito social e político é enorme.
A gente "daqui" precisa visitar mais o Brasil.
Fonte: Folhade S. Paulo
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