domingo, 15 de dezembro de 2013

Joaquim Nabuco - Documentário "Diálogo com Joaquim Nabuco".


Esperando algo da vida

Hoje, lendo tirinhas da Mafalda (como as que estão abaixo) lembrei-me de um poema de Gramsci. As tirinhas da Mafalda, na verdade do Quino, são sensacionais. Leia e reflita.

Mas, por favor, não se contente com a tirinha. Leia também o poema do Gramsci e aprofunde a reflexão.

Assim como ele, também odeio os indiferentes. Alguns, como Bertolt Brecht alertou, são analfabetos políticos. Mas, grande parte não. São apenas “indiferentes”.

Como diz Gramsci, “Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.”




Os Indiferentes


Antonio Gramsci

“Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que ‘viver significa tomar partido’. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.

A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica.

A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca.

O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos.

O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar.

A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo.

Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso.

Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso.

Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente.

Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu?

Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.

A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes.

Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.

Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e, sobretudo, do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas.

Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir o pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.

Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.”

OBS.: Os grifos são meus.


in La Città Futura, 11/2/1917 (atualíssimo)

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

"Caminho da Escola" e outros programas

A Folha publicou no último domingo (8/12) um texto do jornalista Vinícius Torres. Uma amiga me perguntou: “Como isso saiu na Folha? Ainda mais na coluna desse cara!”

Bom... Não é somente este texto. Parece que, depois de as últimas pesquisas apontarem crescimento das intenções de voto em Dilma Rousseff, que firma as possibilidades de vitória já no primeiro turno, a Folha já se deu conta de que não vai dar para impedir a vitória do PT nas próximas eleições presidenciais. Será que estão querendo alguma coisa? Não tenho dúvida.

Mas, voltando ao texto, ele fala de programas do Governo Federal, como o “Caminho da Escola”, que “daqui do centro rico de São Paulo, o Brasil [...] e muitas ações do governo parecem invisíveis. Quase ninguém ‘daqui’ dá muita bola para programas populares dos governos do PT até que o povo miúdo apareça satisfeito em pesquisas eleitorais.”

Não estou, nem de perto, defendendo o PT ou seu governo. Apenas observei que o jornalista (e talvez a Folha) percebeu que “daqui, muitas ações do governo parecem invisíveis. Ninguém dá muita bola para programas populares do governo. Até que apareçam as pesquisas eleitorais”.

Mas, tenho certeza de que, quando sair o resultado das urnas, muitos e muitas “inteligentes” “daqui” vão chamar nordestinos e todos os outros povos beneficiados pelos “invisíveis” programas do Governo Federal de “ignorantes”. Será?

Leia o texto da Folha:

Lá no Brasil invisível

Em uma viagem pelo interior mais pobrezinho do Nordeste, este jornalista deu com uma cena que então parecia meio exótica. Crianças alimentadas, numa barulheira alegre, lotavam um ônibus escolar amarelo como aqueles de filme americano, mas estalando de novo.
De onde saíra aquilo? Na lataria, estava escrito: "Programa Caminho da Escola - Governo Federal". O jornalista confessa com vergonha que até este ano jamais ouvira falar do "Caminho da Escola". Além do mais, tende a desconfiar de que alguns desses programas com nomes marqueteiros sejam ficções, que existam apenas naquelas cerimônias cafonas de anúncios oficiais.
O "Caminho da Escola", porém, financiou quase 26 mil ônibus desde 2009, em mais de 4.700 cidades. Digamos que os ônibus carreguem 40 crianças cada um (deve ser mais). Dá mais de 1 milhão de crianças. Conhecendo a falta de dinheiro e as distâncias das escolas nos fundões do país, isso faz uma diferença enorme.
Daqui do centro rico de São Paulo, o Brasil, esse país longínquo, e muitas ações do governo parecem invisíveis. Quase ninguém "daqui" dá muita bola para programas populares dos governos do PT até que o povo miúdo apareça satisfeito em pesquisas eleitorais.
Juntos, tais programas afetam a vida de dezenas de milhões de pessoas, tanto faz a qualidade dessas políticas, umas melhores, outras nem tanto, embora nenhuma delas seja nem de longe tão ruim quanto a política econômica.
Quem "daqui" conhece o Programa Crescer (Programa Nacional de Microcrédito)? Existia desde 2005, foi reformado por Dilma Rousseff em 2011, quando passou a contar com crédito direcionado e juro baixo, ora negativo (5%, abaixo da inflação).
O Crescer já financiou o negociozinho de 3,5 milhões de pessoas, um terço delas recipientes de Bolsa Família. Tem uma versão rural, mais antiga, mas vitaminada nos governos do PT, o Pronaf, que ofereceu crédito a juro real ainda mais baixo a 2,2 milhões de agricultores pequenos na safra 2012/13.
O Pronatec já é mais falado, mas pouco conhecido (até mesmo pelo governo, que só agora começou a fazer uma avaliação de resultados). Irmão mais novo e em geral grátis do universitário Prouni, trata-se de um conjunto variadíssimo de ações que procura oferecer cursos profissionalizantes e técnicos (ensino médio).
Desde sua criação, foram mais de 5 milhões de matrículas (há evidências esparsas de grande evasão, de uns 20%, mas ainda falta estatística séria). A maioria das vagas é reservada para os mais deserdados dos brasileiros.
Reportagem desta Folha mostrou que os 13 mil médicos do Mais Médicos devem estar ao alcance de cerca de 46 milhões de pessoas no ano que vem. Não é uma política ampla de saúde, está claro. Mas, outra vez, vai resolver muito problema de muita gente deserdada desta terra.
O Minha Casa, Minha Vida já entregou 1,32 milhão de casas; tem mais 1,6 milhão contratadas. Beneficia 4,6 milhões de pessoas.
Junte-se a isso tudo as já manjadas transferências sociais, em dinheiro, crescentes em valor e cobertura. É muita gente "de lá" beneficiada. Goste-se ou não do conjunto da obra, o efeito social e político é enorme.
A gente "daqui" precisa visitar mais o Brasil.


quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O exemplo do Chile

O “ping-pong” abaixo é parte da entrevista com Patrício Navia, cientista político chileno e pesquisador do Centro de Estudos sobre América Latina e Caribe da Universidade de Nova York, publicada nas páginas vermelhas da revista IstoÉ desta semana.

Ele fala sobre os resultados do primeiro turno nas eleições para presidente no Chile. Alguns pontos podem trazer boas reflexões para nós, brasileiros.

Destaco um ponto. Ele fala que o maior problema do Chile não é mais a pobreza. Para ele, é preciso “fazer mudanças estruturais capazes de reduzir a desigualdade. Não é uma questão de fornecer mais acesso à educação, mas igualar o acesso à educação. A cobertura da educação no Chile é universal, mas a qualidade das escolas varia muito, dependendo de quanto dinheiro sua família pode pagar. E isso precisa mudar.” Além da educação, ele destaca a saúde e a habitação como outras questões necessárias a serem resolvidas para reduzir a desigualdade. Se o cientista político não sabe o motivo de Bachelet ter tido maior volume de votos do que a candidata apoiada pelo atual presidente, o editorial da mesma edição diz o motivo. Bachelet propõe aumentar entre 20% e 25% o imposto cobrados das grandes empresas para arcar com o custeio dos programas sociais, como o ensino gratuito de qualidade.


ISTOÉ - A economia do Chile cresce bem, a inflação e o desemprego estão em baixa e a situação fiscal do país é confortável. Mesmo assim, a maioria dos eleitores optou por votar na oposição. O que aconteceu?

PATRICIO NAVIA - Essa foi uma eleição sobre o piloto, não sobre o trajeto. Os chilenos desejam continuar na mesma direção, mas querem uma ênfase diferente. Eles estão mais preocupados com a desigualdade e acreditam que, não importa quem ganhe, o modelo econômico continuará o mesmo. Isso aconteceu porque o presidente Sebastián Piñera manteve o modelo econômico quando assumiu o cargo. Então, os chilenos sabem que, não importa se o governo é de esquerda ou de direita, a economia seguirá na mesma direção.

ISTOÉ - A campanha eleitoral focou no aumento da desigualdade social no país. Por que esse tema foi tão importante?

PATRICIO NAVIA - O Chile cresceu muito nos últimos 25 anos. Por isso, questões que são grandes em outros países, como a pobreza, não são mais um problema no país. Os chilenos estão agora focados em novos problemas. A desigualdade é o grande desafio que o Chile tem pela frente.

ISTOÉ - Que tipo de novos problemas são esses?

PATRICIO NAVIA - Eles estão todos relacionados à desigualdade. Por exemplo, o acesso à educação, à saúde e à habitação. A qualidade de vida que os chilenos têm agora é muito diferente, dependendo de quanto dinheiro sua família tem. As pessoas querem melhorar de vida e acham que Michelle Bachelet pode ajudá-las mais do que um governo de direita. Elas não estão votando na Bachelet para mudar a economia, mas porque pensam que ela pode distribuir melhor a renda dentro do atual modelo econômico.

ISTOÉ - O Bolsa Família foi um programa importante para o combate à desigualdade no Brasil. O sr. acha que ele funcionaria no Chile?

PATRICIO NAVIA - O Bolsa Família foi um programa para combater a pobreza, não a desigualdade, embora ele tenha provocado efeitos positivos na distribuição de renda. Na verdade, programas muito parecidos foram implementados no Chile no começo dos anos 90. A pobreza aqui é bem menor, está em 14% da população (no Brasil, o índice é de 21%). Todas as coisas que precisavam ser feitas com programas de transferência de renda já foram feitas.

ISTOÉ - Qual deve ser o próximo passo, então?

PATRICIO NAVIA - Fazer mudanças estruturais capazes de reduzir a desigualdade. Não é uma questão de fornecer mais acesso à educação, mas igualar o acesso à educação. A cobertura da educação no Chile é universal, mas a qualidade das escolas varia muito, dependendo de quanto dinheiro sua família pode pagar. E isso precisa mudar.

ISTOÉ - Onde Sebastián Piñera errou?

PATRICIO NAVIA - Os chilenos pensam que o país está bem, mas sentem que sua família não está tão bem quanto o país. O problema de Piñera é que poucos estavam se beneficiando de seu governo. Sua imagem acabou associada a uma classe privilegiada.

Leia a íntegra da entrevista em:

E editorial está disponível em:

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Consciência pede mais do que reflexão

Quero fazer alguns comentários sobre o texto Dia Nacional da Consciência Negra - Dia de Reflexão, do professor Adilson Ferreira dos Santos publicado neste blog ontem (20/11/2013).

1)    Mesmo a suposta libertação tendo ocorrido há apenas 125, não considero ser compreensível que afro-descendentes ainda sofram com a segregação, discriminação e preconceito. Pra mim, a segregação, a discriminação e o preconceito são inadmissíveis. Precisam ser punidos conforme determina a Lei.
2)    O feriado foi revogado em Curitiba, conforme Adilson observou a pedido da Associação Comercial e do SindusCon pelo Tribunal da (in)Justiça. O argumento que mais pegou, com certeza, não foi o da inconstitucionalidade. Foi, isso sim, o econômico. No dia 20 de novembro o comércio do “natal” está a todo vapor. É inadmissível, para aqueles que sempre oprimiram os negros, aceitar a criação de mais um feriado em novembro (já temos o 2 de novembro – Finados; e 15 de novembro – Proclamação da República). Na visão desta gente, que pensa somente no lucro, os negros querem é mais folgas. E isso atrapalha o comércio e os fará ter que pagar as horas trabalhadas neste dia com 100% a mais do valor normal, segundo a CLT, uma vez que eles não vão querer liberar seus empregados na efervescência comercial do “natal”. Cristo passa longe deste “natal”. Que bom que o deputado federal Renato Simões, juntamente com a deputada Janete Pietá e o deputado Vicentinho, protocolaram um Projeto de Lei para que o dia 20 de novembro seja considerado feriado nacional da Consciência Negra. É claro que haverá lobby dos representantes do comércio para que o PL seja recusado.
3)    Bom seria se todos pudessem estudar em universidades públicas e de qualidade. Que não fosse preciso haver cotas para pobres, negros, indígenas conseguir vagas em universidades públicas. Pobres, negros e indígenas têm, sem dúvida, a mesma capacidade intelectual que aqueles que são ricos de olhos azuis e são contrários a política de cotas. O problema é que eles não têm as mesmas oportunidades. Não podem estudar em escolas de ensino fundamental e médio que lhes deem ensino do mesmo nível que aqueles que podem pagar para tê-la. No dia em que o Estado garantir educação gratuita e de boa qualidade para todos no ensino infantil, fundamental e médio, quem sabe eu deixe de apoiar a política de cotas de vagas no ensino superior. Enquanto houver diferença de oportunidades de acesso à educação básica de qualidade, as cotas não apenas são necessárias. São justas. Isso, com certeza, o Tribunal de Injustiça não avaliou.
4)    Gostaria de lembrar, ainda, do capital cultural de Pierre Bourdieu. Filhos de pais que tiveram boas oportunidades de acesso à cultura e à educação, que podem ler com frequencia, ir a teatros, cinema... e dar estas oportunidades para seus filhos, além de poder pagar os demais materiais educacionais necessários à educação tem mais chances de ter uma adequação à sociedade exigida por esta mesma sociedade. Mas, mesmo assim, não sabemos se esta é a educação correta. Apenas que é a educação exigida pela sociedade.
5)    Por tudo isso, acredito que o Dia da Consciência Negra não deva ser um mero dia de reflexão. Deve, isto sim, ser um dia de luta. Luta pela verdadeira liberdade de um povo que continua sendo oprimido por pessoas que ainda se acham no direito de tratar outras pessoas como se estas fossem inferiores, pelo simples fato de estas ter a cor da pele e feições diferentes das suas, diferentes daquelas impostas pela sociedade como sendo o “padrão de beleza”.

São apenas mais alguns argumentos para a reflexão.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Dia Nacional da Consciência Negra - Dia de Reflexão

Compartilho um texto reflexivo com todos os amigos desta Rede Social. O texto foi publicado originalmente no meu blog pessoal.

Sei que o texto traz alguns temas polêmicos e aceitarei de forma sensata todas as críticas.

Um feliz Dia Nacional da Consciência Negra e Viva a Memória de Zumbi dos Palmares!


Texto:

Hoje é feriado municipal do dia Nacional da Consciência Negra em mais de mil municípios do Brasil. Não temos muito que comemorar, pois se passaram apenas 125 anos que os Negros e Negras deixaram de ser escravos neste país e é compreensível que os que afro-descendentes ainda sofram com a segregação, discriminação e preconceito racial e social principalmente.

O feriado em si tem sofrido muitos ataques não só de gestores municipais como também da própria Justiça. O caso mais recente aconteceu no Estado do Paraná em que o Tribunal de Justiça daquele lugar suspendeu a Lei que instituiu o Feriado de 20 de novembro que comemora o Dia Nacional da Consciência Negra. O TJ-PR acatou argumento da Associação Comercial do Paraná e do Sinduscon de que o feriado aprovado pela Câmara Municipal de Curitiba pecava pela inconstitucionalidade e importava em prejuízo econômico. Uma decisão que causou grande revolta e indignação na comunidade negra não só do Paraná como de todo o Brasil.

Não há muito que comemorar nestes 125 anos de Libertação dos Escravos no Brasil. Neste país, os Negros foram soltos e ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos da América, lugar em que tiveram acesso à terra, no Brasil os negros foram soltos como se tivessem saído da jaula e ficaram vagando nas ruas e para não voltarem para a casa das famílias que os escravizavam foram se espendurando nos morros de Salvador que na época era a capital do Império e do Rio de Janeiro e muitos não saíram de lá até hoje. Há uma grande dívida social a ser paga pela sociedade brasileira com essa camada sofrida da população, entretanto, nos últimos 10 anos o governo brasileiro tem aplicado algumas políticas públicas paliativas para amenizar o saldo desta dívida social com uma política de ações afirmativas, mais conhecida como "cotas" para os negros terem acesso à Universidade e consequentemente às melhores posições sociais no mercado de trabalho.

Todavia, boa parte da elite brasileira se rebela contra as políticas de ações afirmativas, usando o argumento falacioso e fraco de que a política de cotas é mais uma forma de discriminação e que os Negros que querem fazer uso deste tipo de política estão se discriminando a eles próprios. É compreensível que parte da elite brasileira e até mesmo de boa parte da população deste país se apeguem a essa posição reacionária e combatam de forma até odiosa as ações afirmativas para Negros e Indígenas propostas pelo Governo Brasileiro, pois a escravidão no nosso país terminou há 125 anos apenas. Nesse sentido, podemos afirmar que no Brasil ainda há pessoas com uma visão racista e segregadora não só com os Negros e Indígenas que são os beneficiários das políticas de ações afirmativas, mas também com a população pobre já que nas Universidades Federais 50% das vagas são reservadas para os alunos egressos da Rede Pública.

Na Rede Pública e Privada de ensino, não raro os alunos por vezes são incentivados a serem contra a política de ações afirmativas de acesso às Universidades Federais e até alguns professores são contra e acabam reproduzindo a visão editorial de grandes empresas jornalísticas como a Editora Abril (revista Veja), Grupo Folha (jornal Folha de S. Paulo) e Grupo Estado (jornal O Estado de S. Paulo) e a própria rede Globo. Estas empresas, que representam o pensamento elitista brasileiro, são contra as chamadas "cotas" porque seus filhos teriam que conviver na Universidade Pública com os filhos dos trabalhadores oriundos das classes mais populares do nosso país. Não cabe o argumento de que o acesso à Universidade Pública deva ser pelo mérito, pois universidades públicas bem conceituadas como a Universidade de Brasília (UNB) e a UNICAMP de SP já demonstraram que os alunos que entraram por Cotas têm demonstrado grande capacidade e interesse acadêmico. Nunca é demais recordar que o acesso à Universidade por meio das "cotas" é feito com nota de corte, ou seja, não basta ser Negro, Índio ou pobre tem que ter uma nota alta de corte para ter acesso às vantagens previstas nas políticas de ações afirmativas.

Mediante os poucos aspectos mencionados até aqui, podemos afirmar que não cabe mais a intolerância, racial e ou/social com os alunos que ingressam nas universidades públicas por meio de ações afirmativas. A intolerância e os resquícios racistas que ainda nutrem o pensamento e o inconsciente de muitas pessoas precisa ao menos ser combatido com argumentos razoáveis e sensatos de quem pensa diferente para que essas diferenças não se traduzam em violência física e /ou verbal. Um feliz Dia Nacional da Consciência Negra que tem a função de lembrar a Memória de Zumbi dos Palmares que tem uma biografia bonita que trarei em outro texto a ser publicado neste espaço. Deixo anexo a este texto o link do livro SÉRIE ANTROPOLOGIA 355 BASES PARA UMA ALIANÇA NEGRO-BRANCO-INDÍGENA CONTRA A DISCRIMINAÇÃO ÉTNICA E RACIAL NO BRASIL, de José Jorge de Carvalho.

Um abraço fraterno e solidário a todos


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Sindicato dos Bancários de SP promove debate sobre maioridade penal

Encontro entre advogados, dirigentes sindicais e educadores questiona motivos para redução da idade e defende cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente

São Paulo - Reduzir a maioridade penal pra quê? Esse foi o questionamento mais utilizado no debate promovido pelo Sindicato em parceria com a Fundação Projeto Travessia nesta quarta-feira 13. O evento teve como convidados o advogado Ariel de Castro Alves, presidente da Comissão da Infância e Juventude da OAB de São Bernardo do Campo, e José Nildo Alves Cardoso, advogado e militante na área de Direitos Humanos da Criança e Adolescente.

Para a presidenta do Sindicato, Juvandia Moreira, é necessário se informar e disseminar a informação sobre o tema, promover o debate com a sociedade, com a família. “O Congresso Nacional tem hoje uma configuração bastante conservadora. É bom refletir para não reproduzir informações equivocadas”, ressaltou a dirigente na abertura do encontro.

O advogado José Nildo explicou que discutir a redução da maioridade penal “é como nadar contra uma maré que entra em nossa casa há 40 anos entre 17h e 19h”, referindo-se aos apresentadores sensacionalistas da grande mídia, como o já falecido Jacinto Figueira Júnior, conhecido como o homem do sapato branco, que introduziu o estilo “mundo cão” na televisão brasileira, seguido por Ratinho, Datena, Marcelo Rezende entre outros.

Para José Nildo, “a mentira defendida várias vezes vira verdade e vira discurso social”, referindo-se ao posicionamento da maioria dos apresentadores desse tipo de programa de TV pela redução da maioridade penal. “O argumento é emocional e não racional. São perguntas como ‘e se fosse seu filho?’ ou ‘e se fosse com sua família?’ feitas ao telespectador”, explicou o advogado. “Discutimos como reprimir, não como prevenir”. Ele ressaltou que apenas casos de vítimas de classe média e brancos é que alcançam visibilidade da imprensa.

O advogado informou durante o debate que, em um Brasil com 21 milhões de adolescentes, cerca de 19 mil estão internados, sendo 9.016 somente no estado de São Paulo. No entanto, apenas 83 estão na Fundação Casa por crimes de latrocínio. Menos que 1% por homicídio. A maior parte está internada por tráfico. “Estou para encontrar um estudo que mostra quando a violência diminuiu por conta da redução da maioridade penal”, conclui desafiando quem aponte um país que tenha passado por essa situação com resultados positivos para a sociedade.

A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança de 1989, da qual o Brasil é signatário, recomenda a idade mínima de 18 anos para uma pessoa ser tratada como adulto na esfera penal.

Prevenção - Enquanto o debate sobre o assunto está cada vez mais efervescente no Senado (leia mais abaixo), o sistema prisional brasileiro continua caótico. Em reportagem recente do Fantástico (TV Globo) sobre tortura de adolescentes no complexo Vila Maria, projetada no telão do Auditório Azul na abertura da exposição de Ariel Castro Alves, a presidenta da Fundação Casa, Berenice Giannella, informa que o custo de cada adolescente internado é de R$ 7 mil ao mês. José Nildo ressalta o número de crianças e adolescentes fora da escola no país: 3,6 milhões. “O custo de uma criança no ensino básico é de R$ 280. A prevenção é mais barata que a prisão, que são estruturas de mini presídios”, destacou Ariel.

Para ele, “antes de pensar em novas legislações penais, é necessária completa reestruturação das nossas polícias e do poder judiciário, que é bastante corporativista e racista”. O advogado destacou que o sistema prisional brasileiro é inadequado para quem está formando sua personalidade, e que é necessário investimento em áreas preventivas. “As denúncias ao Disque 100 de casos de violência contra crianças e adolescentes chegam a 400 por dia”.

“Reduzir a maioridade penal é dar um atestado de incompetência de que o Brasil não tem capacidade de avançar na prevenção (da violência) e educação dos jovens”, concluiu Ariel Castro.

Enquanto isso, no Senado...Em Brasília, a semana também foi de debate sobre a redução da pena de adolescentes. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) discutiu na terça-feira 12 a PEC 33/2012, que estabelece que jovens maiores de 16 anos podem cumprir penas equivalentes às dos adultos em crimes como tortura, terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e os hediondos.

A penalidade poderia ser imposta ainda em casos de múltiplas repetições de lesão corporal grave ou roubo qualificado. No entanto, o maior rigor na punição só poderia ser pedido pelo Ministério Público especializado em questões de infância e adolescência e decidido por juízes também encarregados de cuidar de crianças e adolescentes.

O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) apresentou o relatório sobre seis PECs em exame na CCJ e que foram analisadas em conjunto. Ferraço pediu o arquivamento de cinco delas e propôs a aprovação da emenda constitucional apresentada pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). Houve um pedido de vista coletiva para melhor análise do texto e ainda não foi marcada a data de votação da matéria.

O presidente da CCJ, Vital do Rego (PMDB-PB), apesar de ter ciência da polêmica desta mudança na Constituição, disse na sessão sua vontade é decidir a matéria ainda este ano.

A senadora Ana Rita (PT-ES) propõe debater o cumprimento do ECA em vez de reduzir maioridade penal. “Eu sou totalmente contra a redução da maioridade penal. Eu penso que é preciso fazer um debate mais aprofundado sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, para que ele seja, de fato, mais conhecido pela sociedade e pelas autoridades, porque o que o Estatuto propõe em termos de medidas com relação à criança e ao adolescente que comete algum ato infracional não está sendo corretamente aplicada pelo Estado.”

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Em tempos de manifestações: Reflexão sobre a classe média

Em “tempos de manifestações” é bom refletirmos um pouco sobre a letra da música “Classe média”, de Max Gonzaga.

Não podemos generalizar, mas reflete bem como pensa e age a chamada “classe média”. Tão explorada quanto qualquer morador da periferia, mas se recusa a se igualar a estes últimos. Acreditam que estão “um degrau acima”.

Deste modo, a classe “média” faz o jogo dos exploradores, que conseguem fragmentar os explorados e evitar que estes se unam para acabar com a exploração.

Além da letra, a melodia é muito boa. A música é agradável de se ouvir. Mesmo assim, não toca, de maneira alguma, nas rádios comerciais. Por que será?

Ouça e acompanhe com a letra abaixo.



Classe Média
Max Gonzaga

Sou classe média
Papagaio de todo telejornal
Eu acredito
Na imparcialidade da revista semanal
Sou classe média
Compro roupa e gasolina no cartão
Odeio "coletivos"
E vou de carro que comprei a prestação
Só pago impostos
Estou sempre no limite do meu cheque especial
Eu viajo pouco, no máximo um pacote CVC tri-anual
Mas eu "to nem ai"
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não "to nem aqui"
Se morre gente ou tem enchente em Itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Mas fico indignado com estado quando sou incomodado
Pelo pedinte esfomeado que me estende a mão
O pára-brisa ensaboado
É camelô, biju com bala
E as peripécias do artista malabarista do farol
Mas se o assalto é em Moema
O assassinato é no "jardins"
A filha do executivo é estuprada até o fim
Ai a mídia manifesta a sua opinião regressa
De implantar pena de morte, ou reduzir a idade penal
E eu que sou bem informado concordo e faço passeata
Enquanto aumenta a audiência e a tiragem do jornal
Porque eu não "to nem ai"
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não "to nem aqui"
Se morre gente ou tem enchente em Itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta
Porque é mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Uma reflexão sobre “democracia participativa”

O artigo abaixo é do final de 2011/início de 2012. Escrevi para a revista do Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo (CLASP).

Acredito que estava no site do CLASP também, mas, como o site está fora do ar, resolvi postá-lo aqui. É longo. Não era para ser postado em um blog. Pede uma leitura com mais calma, com mais tempo. Mas, acredito que pode contribuir com o debate que se recolou na sociedade. Algumas coisas precisariam ser acrescentadas, outras alteradas, mas resolvi manter a redação original.

Uma reflexão sobre “democracia participativa”

Paulo Flores*

Uma das maiores reivindicações das pastorais e movimentos sociais atualmente é a implantação de mecanismos de “democracia participativa” no sistema político brasileiro. Ao mesmo tempo em que a participação popular é a melhor forma de se promover as necessárias mudanças na sociedade brasileira, é preocupante a possibilidade de serem instituídos alguns mecanismos com o objetivo de se “ampliar a democracia” sem que haja mudanças em outros. Corre-se o risco de se promover apenas alguns ajustes nos parafusos para que tudo continue funcionando da mesma forma que sempre funcionou.
O maior problema é que não há uma visão clara do que realmente seja a democracia, quanto mais a “versão participativa”.
Por isso, antes de iniciar o debate, é interessante contextualizá-lo e definir o que é “democracia participativa”.

Instituições desacreditadas
Não é de hoje que o povo não acredita mais nas instituições de poder, tanto no Legislativo quanto no Executivo e no Judiciário, em todas as esferas de atuação (municipal, estadual e federal).
Seja porque quase que diariamente são veiculadas reportagens que expõem falcatruas cometidas por “nossos representantes”, seja porque entra ano e sai ano e permanecem os problemas sociais. É certo que as estatísticas apontam uma significativa melhora nos últimos tempos, mas elas se mostram insuficientes para a solução dos problemas existentes.
Com as instituições de poder desacreditadas, cresce o desejo de se fazer as coisas com as próprias mãos. O povo não quer mais esperar para ver realizado o que precisa ser feito.
Isso pode se tornar o caos ou, caso seja de uma maneira organizada, uma democracia direta, que funcionou na Grécia antiga. Naquela época e ocasião, a sociedade era pequena e não existia o sufrágio universal. Atualmente, todos têm o direito ao voto e, mesmo se ele fosse limitado, a enormidade de pessoas que vivem nas cidades impediria qualquer tentativa de democracia direta. Aliás, o sistema de democracia representativa que temos hoje foi implantado justamente para sanar esse problema.
Com a crise de confiança nos representantes e a impossibilidade de uma democracia direta, busca-se uma alternativa na qual o povo possa participar mais ativamente das decisões, o que está sendo chamado de “democracia participativa”.

Reforma política
Se não é de hoje que a chamada “classe política” brasileira sofre com a falta de credibilidade, por que somente agora ganha corpo o debate sobre a “democracia participativa”? Na verdade, as pastorais e movimentos sociais tentam “encaixar” esse tema para o debate social há bastante tempo. Tanto é que, por pressão social, a Constituição Federal de 1988 permite a realização de plebiscitos, referendos e a apresentação de projetos populares. Mas, para a população de uma forma geral esse é um tema totalmente desconhecido.
A visibilidade do tema aumentou apenas porque está em discussão no Congresso Nacional uma proposta de Reforma Política. Mas, tanto a imprensa quanto a grande parte de “nossos representantes” limitam o debate apenas à reforma do processo eleitoral. A impressão é que querem fazer uma reforma apenas de fachada. Maquiar a “coisa” que está aí para que ela fique mais “bonitinha” e o povo não perceba que tudo está como antes, se revolte contra “seus representantes” e tome o poder definitivamente. Ou seja, a ideia é promover ajustes para manterem-se no poder.
Para as pastorais e movimentos sociais o debate se insere em um projeto de democratização do Estado, tanto na definição das diretrizes de governo quanto na orçamentária. Mas, também neste campo, o que mais se ouve falar é da proposta de se regulamentar os mecanismos de democracia participativa previstos no artigo 14 da Constituição Federal: o plebiscito, o referendo e os projetos de iniciativa popular. Querem aproveitar o momento para garantir que a Lei revalide e amplie o uso destes mecanismos.
Mas, será que isso é suficiente para termos uma “democracia participativa” no Brasil? Será que devemos limitar nossas reivindicações à institucionalização destes mecanismos?

“A gente quer inteiro e não pela metade”
Se analisarmos com cuidado, veremos que a democracia deve garantir amplamente a participação popular. De acordo com Jean-Jacques Rousseau, o povo é soberano e apenas delega o poder aos seus representantes por meio de um “contrato social”, sendo o Estado o poder executivo da vontade do povo. Ou seja, por definição, na democracia (mesmo sem o “participativa”) é o povo quem tem a soberania. O povo não apenas “participa”, ele tem o poder. Ou seja, a democracia é participativa por natureza.
Mas, no mundo em que vivemos, não é o povo que tem o poder, é o dinheiro. Ele sucumbe governos, Estados e o próprio povo. Neste tipo de sociedade, tudo e todos são corrompidos pelo dinheiro. É por isso que Karl Marx e Friedrich Engels afirmam que o Estado, no capitalismo, é o “balcão da burguesia”.
Apesar de os meios de comunicação e até mesmo grandes teóricos afirmarem que no mundo capitalista impera a democracia, sabemos que o povo não tem a soberania. Então, não existe a democracia nestas sociedades.
Acrescentar um “participativa” logo após a palavra democracia e instituir mecanismos que supostamente ampliariam a participação popular nas decisões, não traz, por si só, o poder para as mãos do povo. O povo não será soberano. O dinheiro não perderá seu poder.
O que me parece é que o termo “democracia participativa” faz parte da maquiagem que querem fazer neste “negócio” que está aí para torná-lo mais palatável. Para mim, o que povo tem que exigir é simplesmente democracia.
Não podemos nos deixar enganar. Precisamos mostrar que não existe democracia onde uns poucos têm tudo e muitos não têm nada, onde o povo não tem a soberania, onde o dinheiro fala mais alto do que vidas, do que a fraternidade e a igualdade de direitos.

Massa de manobra
OK. Mas, temos que começar a virar a mesa. O começo é instituir os plebiscitos e referendos populares? Para dizer a verdade, existem dúvidas se essa é a alternativa mais viável ou se apenas querem que pensemos que seja.
Numa determinada faculdade, havia um professor de filosofia que deixava toda a turma atônita ao perguntar aos seus alunos: “O que vocês pensam é realmente o que vocês pensam?”. O que ele queria mostrar é que nossos pensamentos são influenciados por uma espécie de “inconsciente coletivo”; pela opinião pública. Será que estamos sendo influenciados a pensar que a solução é simplesmente acrescentar o termo “participativa” à palavra democracia?
Diversos teóricos já nos alertaram sobre a grande influência que os meios de comunicação social exercem sobre nossos pensamentos. Segundo a teoria da agulha hipodérmica, os meios de comunicação social têm um poder tão grande que conseguem determinar o pensamento, o consumo e até mesmo as ações da sociedade. As pessoas viram “massa de manobra”.
Posteriormente, viu-se que os teóricos que tinham formulado esse pensamento haviam desconsiderado as relações interpessoais do público atingido pelos meios de comunicação e que tais relações reduziam a influência exercida. Mas, com o “esfacelamento” da família, da Igreja, dos partidos políticos, das escolas e de tantas outras instituições que compunham a rede de relações sociais das pessoas, esse poder ainda continua reduzido?
O que parece, é que, com a crise das instituições as pessoas estão sem rumo, foram realmente transformadas em massa, em multidão que precisa ser conduzida. Ou seja, não somos o “homem perfeito” idealizado pelo apóstolo Paulo na carta aos Efésios (Ef 4, 14). Ao contrário, parece que somos jogados de um lado para o outro por qualquer vento de doutrina. Somos induzidos ao erro. Como uma manada, somos conduzidos ao abatedouro.
Em A psicologia das multidões, Gustave Le Bon afirma que a multidão é influenciável, impulsiva, móvel, seduzida por sentimentos simples e exagerados, tem a moral degradada e é intolerante e autoritária.
José Ortega Y Gasset, em La révolte des masses, diz que o homem-massa é um indivíduo abrutalhado, violento, promotor do esgarçamento social. Este indivíduo-massa, estimulado pelos meios de comunicação, pode fazer surgir a barbárie.

Pensamento alheio
Em termos de condução dos pensamentos, sabemos que a mídia é craque. Outra corrente teórica, diz que os meios de comunicação induzem o pensamento das pessoas por meio do agendamento dos temas colocados em pauta e por eles defendidos. Sempre reafirmando, de tempos em tempos, essa defesa. Em compensação, os pensamentos contrários ficam relegados a uma “espiral do silêncio”. Não são sequer mencionados, caem no ostracismo. Sem contraposição, os temas defendidos pela mídia se transformam em “verdade”, em “opinião pública”.
Apenas a título de ilustração, lembremos do que ocorreu com a Escola Base. Uma mãe deu queixa na polícia e procurou a imprensa dizendo que sua filha havia sido violentada na escola. Por dois meses toda a imprensa achincalhou proprietários, educadores e demais funcionários da escola. Pressionou o delegado responsável pelo caso, “apurou” os fatos, “julgou” os envolvidos, “condenou-os” como culpados e, “com o apoio da opinião pública”, executou a sentença. Acabou não apenas com a escola, mas com a vida de todos aqueles que considerou serem culpados. Passados os dois meses, as verdadeiras provas comprovaram a inocência de todos, frise-se, todos aqueles que a imprensa havia sentenciado como culpados. Ressalte-se que tudo o que foi feito com a Escola Base, supostamente tinha apoio social.
Para não ficar apenas neste caso emblemático, vamos lembrar também do garoto que ficou com o pé preso pelo cinto de segurança e foi arrastado por quilômetros por assaltantes que haviam acabado de roubar o carro de sua mãe. Todos se lembram desse caso e sabem da comoção criada na sociedade.
Agora, vamos imaginar a realização de um plebiscito sobre a pena de morte logo depois que a mídia “martelou” essas “informações” na cabeça das pessoas. Qual seria o resultado do plebiscito? E um plebiscito sobre o MST depois das imagens do trator derrubando os pés de laranja?

Democracia de verdade
Por isso, mais do que criar mecanismos que ampliem a participação popular nas decisões políticas e econômicas do país, sem querer dar receita de bolo, é preciso que as pastorais e movimentos sociais:
1) Denunciem a ditadura do capital. Mostrem que não vivemos em uma democracia (sistema no qual o poder deve pertencer ao povo);
2) Participem, divulguem e consolidem o poder dos conselhos de saúde, de educação, de juventude e de todos os demais conselhos existentes, exijam a criação de novos conselhos específicos e que estes conselhos tenham poder deliberativo, não apenas consultivo;
3) Participem das instâncias de decisão sobre a aplicação dos recursos públicos, como as reuniões do orçamento participativo (nos locais onde existem tais mecanismos), as sessões das câmaras municipais e assembleias legislativas que debatem o orçamento público, realizem reuniões com os representantes públicos (políticos) para tratar do orçamento e exigir que o povo delibere sobre o total arrecadado, não apenas sobre as sobras de recursos após a retirada dos valores a serem destinados ao pagamento do capital financeiro;
4) Lutem por uma educação de qualidade, que dê capacidade de os estudantes refletirem antes de decidir entre várias alternativas nas mais diversas situações que a vida lhes impõe; por atendimento de saúde universal e com a mesma qualidade para todos os brasileiros; para o cumprimento da Constituição Federal, principalmente ao que se refere aos direitos sociais;
5) Exijam a democratização dos meios de comunicação e a regulamentação do setor, para diminuir o poder de manipulação, de influência que eles têm sobre a sociedade e para estabelecer punições àqueles que utilizem os meios de comunicação para, propositalmente, difamar e caluniar sem apresentar provas, ou que venham a manipular provas, assim como para aqueles que descumprem o que estabelecem as regras de concessão para produção e retransmissão de programas de rádio e TV. Acima de tudo, não deixem se levar pelo discurso que regulamentar a imprensa a imprensa é estabelecer censura. Regular a imprensa é contribuir com a consolidação da democracia; é impedir que ela censure aquilo e aqueles que dela discordem; é favorecer o direito à informação bem apurada e verdadeira, com a concessão do mesmo espaço para todos os lados envolvidos nos fatos;
6) Por fim, mantenham sua autonomia perante aos partidos políticos e a governos; busquem, sempre, se organizar e se articular melhor e dar possibilidades para que seus membros sejam educados na luta e para a luta social, por meio de cursos e seminários de formação, mas também da ação social. Os militantes podem ser filiados aos partidos, mas as pastorais e movimentos sociais têm que manter suas autonomias.
Somente assim todo brasileiro terá possibilidade de participar plena e igualmente da sociedade. Aí vai haver democracia. Caso contrário, mesmo com novos mecanismos de “participação” continuaremos com nossa vida de gado em nossa “democracia participativa”.



* Paulo Flores é jornalista, com especialização em Marketing Político e Propaganda Eleitoral pela ECA-USP, membro do Instituto Paulista de Juventude e da Equipe de Teologia e Formação do Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Comissão do Senado analisa PNE nesta terça

O texto abaixo foi veiculado pela Agência Senado. Fala sobre a análise do PNE a ser feita pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) daquela "casa de leis". Além de ler o texto abaixo, vale à pena ler também a análise do blog do Luiz Araújo, que está muito boa. Mas, é claro que é preciso considerar que ele é assessor da liderança do PSOL no Senado.

Comissão do Senado analisa PNE nesta terça

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) volta a analisar nesta terça-feira (21) o Plano Nacional de Educação (PNE). A votação estava marcada para o último dia 14, mas foi adiada após senadores pedirem mais tempo para avaliar a proposta (vista coletiva).

Previsto no Projeto de Lei da Câmara (PLC) 103/2012, o PNE destina ao menos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para políticas educacionais e estabelece uma série de obrigações para serem cumpridas nos próximos dez anos.

Entre as 20 metas originalmente estabelecidas, estão: alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade; erradicar o analfabetismo absoluto; reduzir o analfabetismo funcional; oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de ensino básico; e aumentar o número de professores da educação básica com nível de pós-graduação lato e stricto sensu.

Na CAE, o relator da matéria é o senador José Pimentel (PT-CE), que tentou resolver o problema da falta de adequação financeira e orçamentária da meta de aplicar 10% do PIB na educação. A solução encontrada pelo relator foi incorporar ao PNE parte das disposições do Projeto de Lei 5.500/2013, da presidente da República, Dilma Rousseff, em tramitação na Câmara, que destina 100% dos royalties do petróleo para a educação e mais 50% do Fundo Social do petróleo extraído da camada pré-sal. José Pimentel quer vincular à educação todos os royalties do petróleo dos novos contratos de exploração celebrados a partir de 3 de dezembro do ano passado.

- Ao adotar a decisão pelos 10% do PIB para a educação pública, a Câmara transferiu a esta Casa o ônus da descoberta das fontes de novos recursos. A ampliação da meta representa um aumento considerável já que, em 2011, o gasto foi de 6,1% - explica José Pimentel em seu relatório.

Alfabetização
Outra mudança proposta pelo relator é relacionada à universalização da alfabetização. Inicialmente, o governo propôs a idade máxima de oito anos. Na Câmara, o critério foi mudado para até o fim do terceiro ano do ensino fundamental. Agora, Pimentel propõe etapas: aos oito anos de idade e até o terceiro ano do ensino fundamental na primeira metade da vigência do plano; aos sete anos, no período compreendido entre o sexto e o nono anos de execução do plano; e ao fim dos seis anos de idade, no décimo ano de vigência do PNE.

Tramitação
O PNE foi enviado pelo governo federal ao Congresso em 15 de dezembro de 2010 e só passou pela Câmara quase dois anos depois, em outubro de 2012, após ter recebido quase 3 mil emendas.

A proposta inicial do governo era destinar 7% do PIB ao setor educacional, mas os deputados fixaram este índice como meta intermediária, a ser alcançada no quarto ano de vigência do PNE. Ao fim do plano, o percentual deve chegar a 10%, no mínimo.

No Senado, já foram realizadas duas audiências públicas sobre o tema. Além da CAE, onde recebeu 80 emendas, o projeto será analisado nas comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Educação, Cultura e Esporte (CE), antes de ser votado em Plenário.

A reunião da CAE desta terça-feira será às 10h na Sala 19 da Ala Alexandre Costa e pode ser acompanhada pela TV Senado. Confira aqui a íntegra do relatório do senador José Pimentel.

Entenda o PNE
O plano original enviado pelo Executivo à Câmara está estruturado em duas partes: um texto legal, composto de 14 artigos, sendo o último reservado à cláusula de vigência; e um anexo constituído de 20 metas, desdobradas em 229 estratégias. Durante a tramitação na Câmara, foram agregadas 59 estratégias à proposta, e algumas das metas da proposta original foram reformuladas.
•Erradicação do analfabetismo;
•Melhoria da qualidade da educação;
•Universalização do atendimento escolar;
•Valorização dos profissionais da educação;
•Promoção do princípio da gestão democrática na educação pública;
•Estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do PIB, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade.

Algumas diretrizes previstas no PNE
• Erradicação do analfabetismo;
• Melhoria da qualidade da educação;
• Universalização do atendimento escolar;
• Valorização dos profissionais da educação;
• Promoção do princípio da gestão democrática na educação pública;
• Estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do PIB, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade.

Algumas metas previstas no PNE:
• Ampliar o investimento público em educação de forma a atingir, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao fim do decênio;
• Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até o fim vigência do Plano, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional;
• Triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio;
• Ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no ensino superior para 75%;
• Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60.000 mestres e 25.000 doutores;
• Garantir que, até o último ano de vigência do PNE, 80% dos professores que atuam na educação básica tenham concluído curso de pós-graduação stricto ou lato sensu em sua área de atuação;
• Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos na forma integrada à educação profissional nos ensinos fundamental e médio;
• Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o fim da vigência do PNE;
• Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica;
• Elevar a escolaridade média da população de 18 a 29 anos, de modo a alcançar no mínimo 12 anos de estudo no último ano de vigência do Plano Nacional de Educação para as populações do campo, da região de menor escolaridade no país e dos 25% mais pobres. Igualar a escolaridade média entre negros e não negros.