domingo, 15 de dezembro de 2013
Esperando algo da vida
Hoje, lendo tirinhas da Mafalda
(como as que estão abaixo) lembrei-me de um poema de Gramsci. As tirinhas da
Mafalda, na verdade do Quino, são sensacionais. Leia e reflita.
Mas, por favor, não se contente
com a tirinha. Leia também o poema do Gramsci e aprofunde a reflexão.
Assim como ele, também odeio os
indiferentes. Alguns, como Bertolt Brecht alertou, são analfabetos políticos.
Mas, grande parte não. São apenas “indiferentes”.
Como diz Gramsci, “Indiferença
é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.”
Os Indiferentes
Antonio
Gramsci
“Odeio os indiferentes. Como
Friederich Hebbel acredito que ‘viver significa tomar partido’. Não podem
existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário.
Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os
indiferentes.
A indiferença é o peso morto da
história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se
afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda
a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do
que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os
assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta
heróica.
A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas
atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode
contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais
bem construídos; é a matéria bruta que
se revolta contra a inteligência e a sufoca.
O que acontece, o mal que se
abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode
gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à
indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos.
O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça
quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa
enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que
depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só
uma sublevação poderá derrubar.
A fatalidade, que parece dominar
a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste
absentismo.
Há fatos que amadurecem na
sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da
vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso.
Os destinos de uma época são
manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com
ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não
se preocupa com isso.
Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície;
o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a
arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco
fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que
quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e
quem foi indiferente.
Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que
se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam
piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta
questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer
valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu?
Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao
fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade
àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam
(com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.
A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de
insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras
brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer
responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não
serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais
urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo,
são todavia igualmente urgentes.
Mas essas soluções são
belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é
animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do
pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam
ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.
Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias
de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como
cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que
fizeram e, sobretudo, do que não fizeram.
E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão,
que não posso repartir com eles as minhas lágrimas.
Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão
comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa
cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que
aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência
dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se
sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado,
e que pretenda usufruir o pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta
realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não
conseguiu o seu intento.
Vivo, sou militante. Por isso
odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.”
OBS.: Os grifos são meus.
in La Città Futura, 11/2/1917
(atualíssimo)
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
"Caminho da Escola" e outros programas
A Folha publicou no
último domingo (8/12) um texto do jornalista Vinícius Torres. Uma amiga me
perguntou: “Como isso saiu na Folha? Ainda mais na coluna desse cara!”
Bom... Não é somente
este texto. Parece que, depois de as últimas pesquisas apontarem crescimento
das intenções de voto em Dilma Rousseff, que firma as possibilidades de vitória
já no primeiro turno, a Folha já se deu conta de que não vai dar para impedir a
vitória do PT nas próximas eleições presidenciais. Será que estão querendo
alguma coisa? Não tenho dúvida.
Mas, voltando ao texto,
ele fala de programas do Governo Federal, como o “Caminho da Escola”, que “daqui do centro rico de São Paulo, o Brasil [...] e
muitas ações do governo parecem invisíveis. Quase ninguém ‘daqui’ dá muita bola
para programas populares dos governos do PT até que o povo miúdo apareça
satisfeito em pesquisas eleitorais.”
Não estou, nem de
perto, defendendo o PT ou seu governo. Apenas observei que o jornalista (e
talvez a Folha) percebeu que “daqui, muitas ações do governo parecem
invisíveis. Ninguém dá muita bola para programas populares do governo. Até que
apareçam as pesquisas eleitorais”.
Mas, tenho certeza
de que, quando sair o resultado das urnas, muitos e muitas “inteligentes” “daqui”
vão chamar nordestinos e todos os outros povos beneficiados pelos “invisíveis” programas
do Governo Federal de “ignorantes”. Será?
Leia o texto da Folha:
Lá no Brasil invisível
Em uma viagem pelo interior mais pobrezinho do Nordeste, este jornalista
deu com uma cena que então parecia meio exótica. Crianças alimentadas, numa
barulheira alegre, lotavam um ônibus escolar amarelo como aqueles de filme
americano, mas estalando de novo.
De onde saíra aquilo? Na lataria, estava escrito: "Programa Caminho
da Escola - Governo Federal". O jornalista confessa com vergonha que até
este ano jamais ouvira falar do "Caminho da Escola". Além do mais,
tende a desconfiar de que alguns desses programas com nomes marqueteiros sejam
ficções, que existam apenas naquelas cerimônias cafonas de anúncios oficiais.
O "Caminho da Escola", porém, financiou quase 26 mil ônibus
desde 2009, em mais de 4.700 cidades. Digamos que os ônibus carreguem 40
crianças cada um (deve ser mais). Dá mais de 1 milhão de crianças. Conhecendo a
falta de dinheiro e as distâncias das escolas nos fundões do país, isso faz uma
diferença enorme.
Daqui do centro rico de São Paulo, o Brasil, esse país longínquo, e
muitas ações do governo parecem invisíveis. Quase ninguém "daqui" dá
muita bola para programas populares dos governos do PT até que o povo miúdo
apareça satisfeito em pesquisas eleitorais.
Juntos, tais programas afetam a vida de dezenas de milhões de pessoas,
tanto faz a qualidade dessas políticas, umas melhores, outras nem tanto, embora
nenhuma delas seja nem de longe tão ruim quanto a política econômica.
Quem "daqui" conhece o Programa Crescer (Programa Nacional de
Microcrédito)? Existia desde 2005, foi reformado por Dilma Rousseff em 2011,
quando passou a contar com crédito direcionado e juro baixo, ora negativo (5%,
abaixo da inflação).
O Crescer já financiou o negociozinho de 3,5 milhões de pessoas, um
terço delas recipientes de Bolsa Família. Tem uma versão rural, mais antiga,
mas vitaminada nos governos do PT, o Pronaf, que ofereceu crédito a juro real
ainda mais baixo a 2,2 milhões de agricultores pequenos na safra 2012/13.
O Pronatec já é mais falado, mas pouco conhecido (até mesmo pelo
governo, que só agora começou a fazer uma avaliação de resultados). Irmão mais
novo e em geral grátis do universitário Prouni, trata-se de um conjunto
variadíssimo de ações que procura oferecer cursos profissionalizantes e
técnicos (ensino médio).
Desde sua criação, foram mais de 5 milhões de matrículas (há evidências
esparsas de grande evasão, de uns 20%, mas ainda falta estatística séria). A
maioria das vagas é reservada para os mais deserdados dos brasileiros.
Reportagem desta Folha mostrou que os 13 mil médicos do Mais Médicos
devem estar ao alcance de cerca de 46 milhões de pessoas no ano que vem. Não é
uma política ampla de saúde, está claro. Mas, outra vez, vai resolver muito
problema de muita gente deserdada desta terra.
O Minha Casa, Minha Vida já entregou 1,32 milhão de casas; tem mais 1,6
milhão contratadas. Beneficia 4,6 milhões de pessoas.
Junte-se a isso tudo as já manjadas transferências sociais, em dinheiro,
crescentes em valor e cobertura. É muita gente "de lá" beneficiada.
Goste-se ou não do conjunto da obra, o efeito social e político é enorme.
A gente "daqui" precisa visitar mais o Brasil.
Fonte: Folhade S. Paulo
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
O exemplo do Chile
O
“ping-pong” abaixo é parte da entrevista com Patrício Navia, cientista político chileno e pesquisador do Centro de
Estudos sobre América Latina e Caribe da Universidade de Nova York,
publicada nas páginas vermelhas da revista IstoÉ desta semana.
Ele
fala sobre os resultados do primeiro turno nas eleições para presidente no
Chile. Alguns pontos podem trazer boas reflexões para nós, brasileiros.
Destaco
um ponto. Ele fala que o maior problema do Chile não é mais a pobreza. Para
ele, é preciso “fazer
mudanças estruturais capazes de reduzir a desigualdade. Não é uma questão de
fornecer mais acesso à educação, mas igualar o acesso à educação. A cobertura
da educação no Chile é universal, mas a qualidade das escolas varia muito,
dependendo de quanto dinheiro sua família pode pagar. E isso precisa mudar.”
Além da educação, ele destaca a saúde e a habitação como outras questões
necessárias a serem resolvidas para reduzir a desigualdade. Se o cientista
político não sabe o motivo de Bachelet ter tido maior volume de votos do que a
candidata apoiada pelo atual presidente, o editorial da mesma edição diz o motivo.
Bachelet propõe aumentar entre 20% e 25% o imposto cobrados das grandes empresas
para arcar com o custeio dos programas sociais, como o ensino gratuito de
qualidade.
ISTOÉ - A economia do Chile cresce bem, a
inflação e o desemprego estão em baixa e a situação fiscal do país é
confortável. Mesmo assim, a maioria dos eleitores optou por votar na oposição.
O que aconteceu?
PATRICIO
NAVIA - Essa foi
uma eleição sobre o piloto, não sobre o trajeto. Os chilenos desejam continuar
na mesma direção, mas querem uma ênfase diferente. Eles estão mais preocupados
com a desigualdade e acreditam que, não importa quem ganhe, o modelo econômico
continuará o mesmo. Isso aconteceu porque o presidente Sebastián Piñera manteve
o modelo econômico quando assumiu o cargo. Então, os chilenos sabem que, não
importa se o governo é de esquerda ou de direita, a economia seguirá na mesma
direção.
ISTOÉ - A campanha eleitoral focou no
aumento da desigualdade social no país. Por que esse tema foi tão importante?
PATRICIO
NAVIA - O Chile
cresceu muito nos últimos 25 anos. Por isso, questões que são grandes em outros
países, como a pobreza, não são mais um problema no país. Os chilenos estão
agora focados em novos problemas. A desigualdade é o grande desafio que o Chile
tem pela frente.
ISTOÉ - Que tipo de novos problemas são
esses?
PATRICIO
NAVIA - Eles
estão todos relacionados à desigualdade. Por exemplo, o acesso à educação, à
saúde e à habitação. A qualidade de vida que os chilenos têm agora é muito
diferente, dependendo de quanto dinheiro sua família tem. As pessoas querem
melhorar de vida e acham que Michelle Bachelet pode ajudá-las mais do que um
governo de direita. Elas não estão votando na Bachelet para mudar a economia, mas
porque pensam que ela pode distribuir melhor a renda dentro do atual modelo
econômico.
ISTOÉ - O Bolsa Família foi um programa
importante para o combate à desigualdade no Brasil. O sr. acha que ele
funcionaria no Chile?
PATRICIO
NAVIA - O Bolsa
Família foi um programa para combater a pobreza, não a desigualdade, embora ele
tenha provocado efeitos positivos na distribuição de renda. Na verdade,
programas muito parecidos foram implementados no Chile no começo dos anos 90. A
pobreza aqui é bem menor, está em 14% da população (no Brasil, o índice é de
21%). Todas as coisas que precisavam ser feitas com programas de transferência
de renda já foram feitas.
ISTOÉ - Qual deve ser o próximo passo,
então?
PATRICIO
NAVIA - Fazer
mudanças estruturais capazes de reduzir a desigualdade. Não é uma questão de
fornecer mais acesso à educação, mas igualar o acesso à educação. A cobertura
da educação no Chile é universal, mas a qualidade das escolas varia muito,
dependendo de quanto dinheiro sua família pode pagar. E isso precisa mudar.
ISTOÉ - Onde Sebastián Piñera errou?
PATRICIO
NAVIA - Os
chilenos pensam que o país está bem, mas sentem que sua família não está tão
bem quanto o país. O problema de Piñera é que poucos estavam se beneficiando de
seu governo. Sua imagem acabou associada a uma classe privilegiada.
Leia a íntegra da entrevista em:
E editorial está
disponível em:
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
Consciência pede mais do que reflexão
Quero
fazer alguns comentários sobre o texto Dia Nacional da Consciência Negra - Dia de Reflexão, do professor Adilson Ferreira dos Santos
publicado neste blog ontem (20/11/2013).
1)
Mesmo
a suposta libertação tendo ocorrido há apenas 125, não considero ser
compreensível que afro-descendentes ainda sofram com a segregação,
discriminação e preconceito. Pra mim, a segregação, a discriminação e o
preconceito são inadmissíveis. Precisam ser punidos conforme determina a Lei.
2)
O
feriado foi revogado em Curitiba, conforme Adilson observou a pedido da Associação
Comercial e do SindusCon pelo Tribunal da (in)Justiça. O argumento que mais
pegou, com certeza, não foi o da inconstitucionalidade. Foi, isso sim, o
econômico. No dia 20 de novembro o comércio do “natal” está a todo vapor. É
inadmissível, para aqueles que sempre oprimiram os negros, aceitar a criação de
mais um feriado em novembro (já temos o 2 de novembro – Finados; e 15 de
novembro – Proclamação da República). Na visão desta gente, que pensa somente
no lucro, os negros querem é mais folgas. E isso atrapalha o comércio e os fará
ter que pagar as horas trabalhadas neste dia com 100% a mais do valor normal,
segundo a CLT, uma vez que eles não vão querer liberar seus empregados na
efervescência comercial do “natal”. Cristo passa longe deste “natal”. Que bom
que o deputado federal Renato Simões,
juntamente com a deputada Janete Pietá e o deputado Vicentinho, protocolaram um
Projeto de Lei para que o dia 20 de novembro seja considerado feriado nacional
da Consciência Negra. É claro que haverá lobby dos representantes do comércio para
que o PL seja recusado.
3)
Bom
seria se todos pudessem estudar em universidades públicas e de qualidade. Que
não fosse preciso haver cotas para pobres, negros, indígenas conseguir vagas em
universidades públicas. Pobres, negros e indígenas têm, sem dúvida, a mesma
capacidade intelectual que aqueles que são ricos de olhos azuis e são
contrários a política de cotas. O problema é que eles não têm as mesmas
oportunidades. Não podem estudar em escolas de ensino fundamental e médio que
lhes deem ensino do mesmo nível que aqueles que podem pagar para tê-la. No dia
em que o Estado garantir educação gratuita e de boa qualidade para todos no
ensino infantil, fundamental e médio, quem sabe eu deixe de apoiar a política
de cotas de vagas no ensino superior. Enquanto houver diferença de
oportunidades de acesso à educação básica de qualidade, as cotas não apenas são
necessárias. São justas. Isso, com certeza, o Tribunal de Injustiça não
avaliou.
4)
Gostaria
de lembrar, ainda, do capital cultural de Pierre Bourdieu. Filhos de pais que tiveram boas oportunidades de acesso à cultura
e à educação, que podem ler com frequencia, ir a teatros, cinema... e dar estas
oportunidades para seus filhos, além de poder pagar os demais materiais
educacionais necessários à educação tem mais chances de ter uma adequação à
sociedade exigida por esta mesma sociedade. Mas, mesmo assim, não sabemos se
esta é a educação correta. Apenas que é a educação exigida pela sociedade.
5)
Por
tudo isso, acredito que o Dia da Consciência Negra não deva ser um mero dia de
reflexão. Deve, isto sim, ser um dia de luta. Luta pela verdadeira liberdade de
um povo que continua sendo oprimido por pessoas que ainda se acham no direito
de tratar outras pessoas como se estas fossem inferiores, pelo simples fato de
estas ter a cor da pele e feições diferentes das suas, diferentes daquelas
impostas pela sociedade como sendo o “padrão de beleza”.
São
apenas mais alguns argumentos para a reflexão.
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
Dia Nacional da Consciência Negra - Dia de Reflexão
Compartilho um texto reflexivo com todos os amigos desta Rede Social. O
texto foi publicado originalmente no meu blog pessoal.
Sei que o texto traz alguns temas polêmicos e aceitarei de forma sensata
todas as críticas.
Um feliz Dia Nacional da Consciência Negra e Viva a Memória de Zumbi dos
Palmares!
Texto:
Hoje é feriado
municipal do dia Nacional da Consciência Negra em mais de mil municípios do
Brasil. Não temos muito que comemorar, pois se passaram apenas 125 anos que os
Negros e Negras deixaram de ser escravos neste país e é compreensível que os
que afro-descendentes ainda sofram com a segregação, discriminação e
preconceito racial e social principalmente.
O feriado em si tem sofrido
muitos ataques não só de gestores municipais como também da própria Justiça. O
caso mais recente aconteceu no Estado do Paraná em que o Tribunal de Justiça
daquele lugar suspendeu a Lei que instituiu o Feriado de 20 de novembro que
comemora o Dia Nacional da Consciência Negra. O TJ-PR acatou argumento da Associação Comercial do Paraná
e do Sinduscon de que o feriado aprovado pela Câmara Municipal de Curitiba pecava pela inconstitucionalidade
e importava em prejuízo econômico. Uma decisão que causou grande revolta e
indignação na comunidade negra não só do Paraná como de todo o Brasil.
Não há muito que comemorar nestes
125 anos de Libertação dos Escravos no Brasil. Neste país, os Negros foram
soltos e ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos da América, lugar em
que tiveram acesso à terra, no Brasil os negros foram soltos como se tivessem
saído da jaula e ficaram vagando nas ruas e para não voltarem para a casa das
famílias que os escravizavam foram se espendurando nos morros de Salvador que
na época era a capital do Império e do Rio de Janeiro e muitos não saíram de lá
até hoje. Há uma grande dívida social a ser paga pela sociedade brasileira com
essa camada sofrida da população, entretanto, nos últimos 10 anos o governo
brasileiro tem aplicado algumas políticas públicas paliativas para amenizar o
saldo desta dívida social com uma política de ações afirmativas, mais conhecida
como "cotas" para os negros terem acesso à Universidade e
consequentemente às melhores posições sociais no mercado de trabalho.
Todavia, boa parte da elite
brasileira se rebela contra as políticas de ações afirmativas, usando o
argumento falacioso e fraco de que a política de cotas é mais uma forma de
discriminação e que os Negros que querem fazer uso deste tipo de política estão
se discriminando a eles próprios. É compreensível que parte da elite brasileira
e até mesmo de boa parte da população deste país se apeguem a essa posição
reacionária e combatam de forma até odiosa as ações afirmativas para Negros e
Indígenas propostas pelo Governo Brasileiro, pois a escravidão no nosso país
terminou há 125 anos apenas. Nesse sentido, podemos afirmar que no Brasil ainda
há pessoas com uma visão racista e segregadora não só com os Negros e Indígenas
que são os beneficiários das políticas de ações afirmativas, mas também com a
população pobre já que nas Universidades Federais 50% das vagas são reservadas
para os alunos egressos da Rede Pública.
Na Rede Pública e Privada de
ensino, não raro os alunos por vezes são incentivados a serem contra a política
de ações afirmativas de acesso às Universidades Federais e até alguns
professores são contra e acabam reproduzindo a visão editorial de grandes
empresas jornalísticas como a Editora Abril (revista Veja), Grupo Folha (jornal
Folha de S. Paulo) e Grupo Estado (jornal O Estado de S. Paulo) e a própria
rede Globo. Estas empresas, que representam o pensamento elitista brasileiro,
são contra as chamadas "cotas" porque seus filhos teriam que conviver
na Universidade Pública com os filhos dos trabalhadores oriundos das classes
mais populares do nosso país. Não cabe o argumento de que o acesso à
Universidade Pública deva ser pelo mérito, pois universidades públicas bem
conceituadas como a Universidade de Brasília (UNB) e a UNICAMP de SP já
demonstraram que os alunos que entraram por Cotas têm demonstrado grande
capacidade e interesse acadêmico. Nunca é demais recordar que o acesso à
Universidade por meio das "cotas" é feito com nota de corte, ou seja,
não basta ser Negro, Índio ou pobre tem que ter uma nota alta de corte para ter
acesso às vantagens previstas nas políticas de ações afirmativas.
Mediante os poucos aspectos
mencionados até aqui, podemos afirmar que não cabe mais a intolerância, racial
e ou/social com os alunos que ingressam nas universidades públicas por meio de
ações afirmativas. A intolerância e os resquícios racistas que ainda nutrem o
pensamento e o inconsciente de muitas pessoas precisa ao menos ser combatido
com argumentos razoáveis e sensatos de quem pensa diferente para que essas
diferenças não se traduzam em violência física e /ou verbal. Um feliz Dia
Nacional da Consciência Negra que tem a função de lembrar a Memória de Zumbi
dos Palmares que tem uma biografia bonita que trarei em outro texto a ser
publicado neste espaço. Deixo anexo a este texto o link do livro SÉRIE
ANTROPOLOGIA 355 BASES PARA UMA ALIANÇA NEGRO-BRANCO-INDÍGENA CONTRA A DISCRIMINAÇÃO ÉTNICA E RACIAL NO BRASIL, de José Jorge de Carvalho.
Um abraço fraterno e
solidário a todos
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
Sindicato dos Bancários de SP promove debate sobre maioridade penal
Encontro entre advogados, dirigentes sindicais e
educadores questiona motivos para redução da idade e defende cumprimento do
Estatuto da Criança e do Adolescente
São Paulo
- Reduzir a maioridade penal pra quê? Esse foi o questionamento mais utilizado
no debate promovido pelo Sindicato em parceria com a Fundação Projeto Travessia
nesta quarta-feira 13. O evento teve como convidados o advogado Ariel de Castro
Alves, presidente da Comissão da Infância e Juventude da OAB de São Bernardo do
Campo, e José Nildo Alves Cardoso, advogado e militante na área de Direitos
Humanos da Criança e Adolescente.
Para a
presidenta do Sindicato, Juvandia Moreira, é necessário se informar e
disseminar a informação sobre o tema, promover o debate com a sociedade, com a
família. “O Congresso Nacional tem hoje uma configuração bastante conservadora.
É bom refletir para não reproduzir informações equivocadas”, ressaltou a
dirigente na abertura do encontro.
O
advogado José Nildo explicou que discutir a redução da
maioridade penal “é como nadar contra uma maré que entra em nossa casa há 40
anos entre 17h e 19h”, referindo-se aos apresentadores sensacionalistas da
grande mídia, como o já falecido Jacinto Figueira Júnior, conhecido como o
homem do sapato branco, que introduziu o estilo “mundo cão” na televisão
brasileira, seguido por Ratinho, Datena, Marcelo Rezende entre outros.
Para José
Nildo, “a mentira defendida várias vezes vira verdade e vira discurso social”,
referindo-se ao posicionamento da maioria dos apresentadores desse tipo de
programa de TV pela redução da maioridade penal. “O argumento é emocional e não
racional. São perguntas como ‘e se fosse seu filho?’ ou ‘e se fosse com sua
família?’ feitas ao telespectador”, explicou o advogado. “Discutimos como
reprimir, não como prevenir”. Ele ressaltou que apenas casos de vítimas de
classe média e brancos é que alcançam visibilidade da imprensa.
O
advogado informou durante o debate que, em um Brasil com 21 milhões de
adolescentes, cerca de 19 mil estão internados, sendo 9.016 somente no estado
de São Paulo. No entanto, apenas 83 estão na Fundação Casa por crimes de
latrocínio. Menos que 1% por homicídio. A maior parte está internada por
tráfico. “Estou para encontrar um estudo que mostra quando a violência diminuiu
por conta da redução da maioridade penal”, conclui desafiando quem aponte um
país que tenha passado por essa situação com resultados positivos para a
sociedade.
A
Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança de 1989, da qual o Brasil é
signatário, recomenda a idade mínima de 18 anos para uma pessoa ser tratada
como adulto na esfera penal.
Prevenção - Enquanto o debate sobre o assunto está cada vez
mais efervescente no Senado (leia mais abaixo), o sistema prisional
brasileiro continua caótico. Em reportagem recente do Fantástico (TV Globo)
sobre tortura de adolescentes no complexo Vila Maria, projetada no telão do
Auditório Azul na abertura da exposição de Ariel Castro Alves, a presidenta da
Fundação Casa, Berenice Giannella, informa que o custo de cada adolescente
internado é de R$ 7 mil ao mês. José Nildo ressalta o número de crianças e
adolescentes fora da escola no país: 3,6 milhões. “O custo de uma criança no
ensino básico é de R$ 280. A prevenção é mais barata que a prisão, que são
estruturas de mini presídios”, destacou Ariel.
Para ele,
“antes de pensar em novas legislações penais, é necessária completa
reestruturação das nossas polícias e do poder judiciário, que é bastante
corporativista e racista”. O advogado destacou que o sistema prisional
brasileiro é inadequado para quem está formando sua personalidade, e que é
necessário investimento em áreas preventivas. “As denúncias ao Disque 100 de
casos de violência contra crianças e adolescentes chegam a 400 por dia”.
“Reduzir
a maioridade penal é dar um atestado de incompetência de que o Brasil não tem
capacidade de avançar na prevenção (da violência) e educação dos jovens”,
concluiu Ariel Castro.
Enquanto isso, no Senado... – Em Brasília, a semana também foi
de debate sobre a redução da pena de adolescentes. A Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJ) discutiu na terça-feira 12 a PEC 33/2012, que
estabelece que jovens maiores de 16 anos podem cumprir penas equivalentes às
dos adultos em crimes como tortura, terrorismo, tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins e os hediondos.
A
penalidade poderia ser imposta ainda em casos de múltiplas repetições de lesão
corporal grave ou roubo qualificado. No entanto, o maior rigor na punição só
poderia ser pedido pelo Ministério Público especializado em questões de
infância e adolescência e decidido por juízes também encarregados de cuidar de
crianças e adolescentes.
O senador
Ricardo Ferraço (PMDB-ES) apresentou o relatório sobre seis PECs em exame na
CCJ e que foram analisadas em conjunto. Ferraço pediu o arquivamento de cinco
delas e propôs a aprovação da emenda constitucional apresentada pelo senador
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). Houve um pedido de vista coletiva para melhor
análise do texto e ainda não foi marcada a data de votação da matéria.
O
presidente da CCJ, Vital do Rego (PMDB-PB), apesar de ter ciência da polêmica
desta mudança na Constituição, disse na sessão sua vontade é decidir a matéria
ainda este ano.
A
senadora Ana Rita (PT-ES) propõe debater o cumprimento do ECA em vez de reduzir
maioridade penal. “Eu sou totalmente contra a redução da maioridade penal. Eu
penso que é preciso fazer um debate mais aprofundado sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente, para que ele seja, de fato, mais conhecido pela
sociedade e pelas autoridades, porque o que o Estatuto propõe em termos de
medidas com relação à criança e ao adolescente que comete algum ato infracional
não está sendo corretamente aplicada pelo Estado.”
quinta-feira, 11 de julho de 2013
Em tempos de manifestações: Reflexão sobre a classe média
Em “tempos de manifestações” é
bom refletirmos um pouco sobre a letra da música “Classe média”, de Max
Gonzaga.
Não podemos generalizar, mas
reflete bem como pensa e age a chamada “classe média”. Tão explorada quanto
qualquer morador da periferia, mas se recusa a se igualar a estes últimos. Acreditam
que estão “um degrau acima”.
Deste modo, a classe “média” faz
o jogo dos exploradores, que conseguem fragmentar os explorados e evitar que
estes se unam para acabar com a exploração.
Além da letra, a melodia é muito
boa. A música é agradável de se ouvir. Mesmo assim, não toca, de maneira
alguma, nas rádios comerciais. Por que será?
Ouça e acompanhe com a letra abaixo.
Classe
Média
Max Gonzaga
Sou classe média
Papagaio de todo telejornal
Eu acredito
Na imparcialidade da revista semanal
Sou classe média
Compro roupa e gasolina no cartão
Odeio "coletivos"
E vou de carro que comprei a prestação
Só pago impostos
Estou sempre no limite do meu cheque especial
Eu viajo pouco, no máximo um pacote CVC tri-anual
Mas eu "to nem ai"
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não "to nem aqui"
Se morre gente ou tem enchente em Itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Mas fico indignado com estado quando sou incomodado
Pelo pedinte esfomeado que me estende a mão
O pára-brisa ensaboado
É camelô, biju com bala
E as peripécias do artista malabarista do farol
Mas se o assalto é em Moema
O assassinato é no "jardins"
A filha do executivo é estuprada até o fim
Ai a mídia manifesta a sua opinião regressa
De implantar pena de morte, ou reduzir a idade penal
E eu que sou bem informado concordo e faço passeata
Enquanto aumenta a audiência e a tiragem do jornal
Porque eu não "to nem ai"
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não "to nem aqui"
Se morre gente ou tem enchente em Itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta
Porque é mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida
Papagaio de todo telejornal
Eu acredito
Na imparcialidade da revista semanal
Sou classe média
Compro roupa e gasolina no cartão
Odeio "coletivos"
E vou de carro que comprei a prestação
Só pago impostos
Estou sempre no limite do meu cheque especial
Eu viajo pouco, no máximo um pacote CVC tri-anual
Mas eu "to nem ai"
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não "to nem aqui"
Se morre gente ou tem enchente em Itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Mas fico indignado com estado quando sou incomodado
Pelo pedinte esfomeado que me estende a mão
O pára-brisa ensaboado
É camelô, biju com bala
E as peripécias do artista malabarista do farol
Mas se o assalto é em Moema
O assassinato é no "jardins"
A filha do executivo é estuprada até o fim
Ai a mídia manifesta a sua opinião regressa
De implantar pena de morte, ou reduzir a idade penal
E eu que sou bem informado concordo e faço passeata
Enquanto aumenta a audiência e a tiragem do jornal
Porque eu não "to nem ai"
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não "to nem aqui"
Se morre gente ou tem enchente em Itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda
Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta
Porque é mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida
sexta-feira, 28 de junho de 2013
Uma reflexão sobre “democracia participativa”
O
artigo abaixo é do final de 2011/início de 2012. Escrevi para a revista do Conselho
de Leigos da Arquidiocese de São Paulo (CLASP).
Acredito
que estava no site do CLASP também, mas, como o site está fora do ar, resolvi
postá-lo aqui. É longo. Não era para ser postado em um blog. Pede uma leitura
com mais calma, com mais tempo. Mas, acredito que pode contribuir com o debate
que se recolou na sociedade. Algumas coisas precisariam ser acrescentadas,
outras alteradas, mas resolvi manter a redação original.
Uma reflexão sobre “democracia
participativa”
Paulo Flores*
Uma das maiores
reivindicações das pastorais e movimentos sociais atualmente é a implantação de
mecanismos de “democracia participativa” no sistema político brasileiro. Ao
mesmo tempo em que a participação popular é a melhor forma de se promover as
necessárias mudanças na sociedade brasileira, é preocupante a possibilidade de
serem instituídos alguns mecanismos com o objetivo de se “ampliar a democracia”
sem que haja mudanças em outros. Corre-se o risco de se promover apenas alguns
ajustes nos parafusos para que tudo continue funcionando da mesma forma que
sempre funcionou.
O maior problema é
que não há uma visão clara do que realmente seja a democracia, quanto mais a
“versão participativa”.
Por isso, antes de
iniciar o debate, é interessante contextualizá-lo e definir o que é “democracia
participativa”.
Instituições
desacreditadas
Não é de hoje que o
povo não acredita mais nas instituições de poder, tanto no Legislativo quanto
no Executivo e no Judiciário, em todas as esferas de atuação (municipal,
estadual e federal).
Seja porque quase que
diariamente são veiculadas reportagens que expõem falcatruas cometidas por “nossos
representantes”, seja porque entra ano e sai ano e permanecem os problemas
sociais. É certo que as estatísticas apontam uma significativa melhora nos
últimos tempos, mas elas se mostram insuficientes para a solução dos problemas
existentes.
Com as instituições
de poder desacreditadas, cresce o desejo de se fazer as coisas com as próprias
mãos. O povo não quer mais esperar para ver realizado o que precisa ser feito.
Isso pode se tornar o
caos ou, caso seja de uma maneira organizada, uma democracia direta, que
funcionou na Grécia antiga. Naquela época e ocasião, a sociedade era pequena e
não existia o sufrágio universal. Atualmente, todos têm o direito ao voto e,
mesmo se ele fosse limitado, a enormidade de pessoas que vivem nas cidades
impediria qualquer tentativa de democracia direta. Aliás, o sistema de democracia
representativa que temos hoje foi implantado justamente para sanar esse
problema.
Com a crise de
confiança nos representantes e a impossibilidade de uma democracia direta,
busca-se uma alternativa na qual o povo possa participar mais ativamente das
decisões, o que está sendo chamado de “democracia participativa”.
Reforma
política
Se não é de hoje que
a chamada “classe política” brasileira sofre com a falta de credibilidade, por
que somente agora ganha corpo o debate sobre a “democracia participativa”? Na
verdade, as pastorais e movimentos sociais tentam “encaixar” esse tema para o
debate social há bastante tempo. Tanto é que, por pressão social, a
Constituição Federal de 1988 permite a realização de plebiscitos, referendos e
a apresentação de projetos populares. Mas, para a população de uma forma geral
esse é um tema totalmente desconhecido.
A visibilidade do
tema aumentou apenas porque está em discussão no Congresso Nacional uma
proposta de Reforma Política. Mas, tanto a imprensa quanto a grande parte de
“nossos representantes” limitam o debate apenas à reforma do processo
eleitoral. A impressão é que querem fazer uma reforma apenas de fachada.
Maquiar a “coisa” que está aí para que ela fique mais “bonitinha” e o povo não perceba
que tudo está como antes, se revolte contra “seus representantes” e tome o
poder definitivamente. Ou seja, a ideia é promover ajustes para manterem-se no
poder.
Para as pastorais e
movimentos sociais o debate se insere em um projeto de democratização do
Estado, tanto na definição das diretrizes de governo quanto na orçamentária.
Mas, também neste campo, o que mais se ouve falar é da proposta de se
regulamentar os mecanismos de democracia participativa previstos no artigo 14 da
Constituição Federal: o plebiscito, o referendo e os projetos de iniciativa
popular. Querem aproveitar o momento para garantir que a Lei revalide e amplie
o uso destes mecanismos.
Mas, será que isso é
suficiente para termos uma “democracia participativa” no Brasil? Será que
devemos limitar nossas reivindicações à institucionalização destes mecanismos?
“A
gente quer inteiro e não pela metade”
Se analisarmos com
cuidado, veremos que a democracia deve garantir amplamente a participação
popular. De acordo com Jean-Jacques Rousseau, o povo é soberano e apenas delega
o poder aos seus representantes por meio de um “contrato social”, sendo o
Estado o poder executivo da vontade do povo. Ou seja, por definição, na democracia
(mesmo sem o “participativa”) é o povo quem tem a soberania. O povo não apenas “participa”,
ele tem o poder. Ou seja, a democracia é participativa por natureza.
Mas, no mundo em que
vivemos, não é o povo que tem o poder, é o dinheiro. Ele sucumbe governos,
Estados e o próprio povo. Neste tipo de sociedade, tudo e todos são corrompidos
pelo dinheiro. É por isso que Karl Marx e Friedrich Engels
afirmam que o Estado, no capitalismo, é o “balcão da burguesia”.
Apesar de os meios de
comunicação e até mesmo grandes teóricos afirmarem que no mundo capitalista
impera a democracia, sabemos que o povo não tem a soberania. Então, não existe
a democracia nestas sociedades.
Acrescentar um “participativa”
logo após a palavra democracia e instituir mecanismos que supostamente
ampliariam a participação popular nas decisões, não traz, por si só, o poder
para as mãos do povo. O povo não será soberano. O dinheiro não perderá seu
poder.
O que me parece é que
o termo “democracia participativa” faz parte da maquiagem que querem fazer
neste “negócio” que está aí para torná-lo mais palatável. Para mim, o que povo
tem que exigir é simplesmente democracia.
Não podemos nos
deixar enganar. Precisamos mostrar que não existe democracia onde uns poucos têm
tudo e muitos não têm nada, onde o povo não tem a soberania, onde o dinheiro
fala mais alto do que vidas, do que a fraternidade e a igualdade de direitos.
Massa
de manobra
OK. Mas, temos que
começar a virar a mesa. O começo é instituir os plebiscitos e referendos
populares? Para dizer a verdade, existem dúvidas se essa é a alternativa mais
viável ou se apenas querem que pensemos que seja.
Numa determinada
faculdade, havia um professor de filosofia que deixava toda a turma atônita ao perguntar
aos seus alunos: “O que vocês pensam é realmente o que vocês pensam?”. O que
ele queria mostrar é que nossos pensamentos são influenciados por uma espécie de
“inconsciente coletivo”; pela opinião pública. Será que estamos sendo
influenciados a pensar que a solução é simplesmente acrescentar o termo
“participativa” à palavra democracia?
Diversos teóricos já
nos alertaram sobre a grande influência que os meios de comunicação social
exercem sobre nossos pensamentos. Segundo a teoria da agulha hipodérmica, os
meios de comunicação social têm um poder tão grande que conseguem determinar o
pensamento, o consumo e até mesmo as ações da sociedade. As pessoas viram
“massa de manobra”.
Posteriormente,
viu-se que os teóricos que tinham formulado esse pensamento haviam
desconsiderado as relações interpessoais do público atingido pelos meios de
comunicação e que tais relações reduziam a influência exercida. Mas, com o “esfacelamento”
da família, da Igreja, dos partidos políticos, das escolas e de tantas outras
instituições que compunham a rede de relações sociais das pessoas, esse poder
ainda continua reduzido?
O que parece, é que,
com a crise das instituições as pessoas estão sem rumo, foram realmente
transformadas em massa, em multidão que precisa ser conduzida. Ou seja, não
somos o “homem perfeito” idealizado pelo apóstolo Paulo na carta aos Efésios (Ef
4, 14). Ao contrário, parece que somos jogados de um lado para o outro por
qualquer vento de doutrina. Somos induzidos ao erro. Como uma manada, somos
conduzidos ao abatedouro.
Em A psicologia das multidões, Gustave Le Bon afirma que a multidão é influenciável, impulsiva, móvel, seduzida por sentimentos simples e exagerados, tem a moral degradada e é intolerante e autoritária.
Em A psicologia das multidões, Gustave Le Bon afirma que a multidão é influenciável, impulsiva, móvel, seduzida por sentimentos simples e exagerados, tem a moral degradada e é intolerante e autoritária.
José Ortega Y Gasset,
em La révolte des masses, diz que o
homem-massa é um indivíduo abrutalhado, violento, promotor do esgarçamento
social. Este indivíduo-massa, estimulado pelos meios de comunicação, pode fazer
surgir a barbárie.
Pensamento
alheio
Em termos de condução
dos pensamentos, sabemos que a mídia é craque. Outra corrente teórica, diz que
os meios de comunicação induzem o pensamento das pessoas por meio do
agendamento dos temas colocados em pauta e por eles defendidos. Sempre
reafirmando, de tempos em tempos, essa defesa. Em compensação, os pensamentos
contrários ficam relegados a uma “espiral do silêncio”. Não são sequer
mencionados, caem no ostracismo. Sem contraposição, os temas defendidos pela
mídia se transformam em “verdade”, em “opinião pública”.
Apenas a título de
ilustração, lembremos do que ocorreu com a Escola Base. Uma mãe deu queixa na
polícia e procurou a imprensa dizendo que sua filha havia sido violentada na
escola. Por dois meses toda a imprensa achincalhou proprietários, educadores e
demais funcionários da escola. Pressionou o delegado responsável pelo caso,
“apurou” os fatos, “julgou” os envolvidos, “condenou-os” como culpados e, “com
o apoio da opinião pública”, executou a sentença. Acabou não apenas com a
escola, mas com a vida de todos aqueles que considerou serem culpados. Passados
os dois meses, as verdadeiras provas comprovaram a inocência de todos, frise-se,
todos aqueles que a imprensa havia sentenciado como culpados. Ressalte-se que
tudo o que foi feito com a Escola Base, supostamente tinha apoio social.
Para não ficar apenas
neste caso emblemático, vamos lembrar também do garoto que ficou com o pé preso
pelo cinto de segurança e foi arrastado por quilômetros por assaltantes que haviam
acabado de roubar o carro de sua mãe. Todos se lembram desse caso e sabem da
comoção criada na sociedade.
Agora, vamos imaginar
a realização de um plebiscito sobre a pena de morte logo depois que a mídia “martelou”
essas “informações” na cabeça das pessoas. Qual seria o resultado do
plebiscito? E um plebiscito sobre o MST depois das imagens do trator derrubando
os pés de laranja?
Democracia
de verdade
Por
isso, mais do que criar mecanismos que ampliem a participação popular nas
decisões políticas e econômicas do país, sem querer dar receita de bolo, é
preciso que as pastorais e movimentos sociais:
1)
Denunciem a ditadura do capital. Mostrem que não vivemos em uma democracia (sistema
no qual o poder deve pertencer ao povo);
2)
Participem, divulguem e consolidem o poder dos conselhos de saúde, de educação,
de juventude e de todos os demais conselhos existentes, exijam a criação de
novos conselhos específicos e que estes conselhos tenham poder deliberativo,
não apenas consultivo;
3)
Participem das instâncias de decisão sobre a aplicação dos recursos públicos,
como as reuniões do orçamento participativo (nos locais onde existem tais
mecanismos), as sessões das câmaras municipais e assembleias legislativas que
debatem o orçamento público, realizem reuniões com os representantes públicos
(políticos) para tratar do orçamento e exigir que o povo delibere sobre o total
arrecadado, não apenas sobre as sobras de recursos após a retirada dos valores a
serem destinados ao pagamento do capital financeiro;
4) Lutem por uma
educação de qualidade, que dê capacidade de os estudantes refletirem antes de
decidir entre várias alternativas nas mais diversas situações que a vida lhes
impõe; por atendimento de saúde universal e com a mesma qualidade para todos os
brasileiros; para o cumprimento da Constituição Federal, principalmente ao que
se refere aos direitos sociais;
5) Exijam a
democratização dos meios de comunicação e a regulamentação do setor, para
diminuir o poder de manipulação, de influência que eles têm sobre a sociedade e
para estabelecer punições àqueles que utilizem os meios de comunicação para,
propositalmente, difamar e caluniar sem apresentar provas, ou que venham a
manipular provas, assim como para aqueles que descumprem o que estabelecem as
regras de concessão para produção e retransmissão de programas de rádio e TV.
Acima de tudo, não deixem se levar pelo discurso que regulamentar a imprensa a
imprensa é estabelecer censura. Regular a imprensa é contribuir com a
consolidação da democracia; é impedir que ela censure aquilo e aqueles que dela
discordem; é favorecer o direito à informação bem apurada e verdadeira, com a
concessão do mesmo espaço para todos os lados envolvidos nos fatos;
6) Por fim, mantenham
sua autonomia perante aos partidos políticos e a governos; busquem, sempre, se
organizar e se articular melhor e dar possibilidades para que seus membros sejam
educados na luta e para a luta social, por meio de cursos e seminários de
formação, mas também da ação social. Os militantes podem ser filiados aos partidos,
mas as pastorais e movimentos sociais têm que manter suas autonomias.
Somente assim todo
brasileiro terá possibilidade de participar plena e igualmente da sociedade. Aí
vai haver democracia. Caso contrário, mesmo com novos mecanismos de
“participação” continuaremos com nossa vida de gado em nossa “democracia
participativa”.
* Paulo Flores é jornalista, com
especialização em Marketing Político e Propaganda Eleitoral pela ECA-USP,
membro do Instituto Paulista de Juventude e da Equipe de Teologia e Formação do
Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo.
segunda-feira, 20 de maio de 2013
Comissão do Senado analisa PNE nesta terça
O texto abaixo foi veiculado pela Agência Senado. Fala sobre a análise do PNE a ser feita pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) daquela "casa de leis". Além de ler o texto abaixo, vale à pena ler também a análise do blog do Luiz Araújo, que está muito boa. Mas, é claro que é preciso considerar que ele é assessor da liderança do PSOL no Senado.
A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) volta a analisar nesta terça-feira (21) o Plano Nacional de Educação (PNE). A votação estava marcada para o último dia 14, mas foi adiada após senadores pedirem mais tempo para avaliar a proposta (vista coletiva).
Comissão do Senado analisa PNE nesta terça
A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) volta a analisar nesta terça-feira (21) o Plano Nacional de Educação (PNE). A votação estava marcada para o último dia 14, mas foi adiada após senadores pedirem mais tempo para avaliar a proposta (vista coletiva).
Previsto no Projeto
de Lei da Câmara (PLC) 103/2012,
o PNE destina ao menos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para políticas
educacionais e estabelece uma série de obrigações para serem cumpridas nos
próximos dez anos.
Entre as 20 metas
originalmente estabelecidas, estão: alfabetizar todas as crianças até, no
máximo, os oito anos de idade; erradicar o analfabetismo absoluto; reduzir o
analfabetismo funcional; oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas
públicas de ensino básico; e aumentar o número de professores da educação
básica com nível de pós-graduação lato
e stricto sensu.
Na CAE, o relator da
matéria é o senador José Pimentel (PT-CE), que tentou resolver o problema da
falta de adequação financeira e orçamentária da meta de aplicar 10% do PIB na
educação. A solução encontrada pelo relator foi incorporar ao PNE parte das
disposições do Projeto de Lei 5.500/2013,
da presidente da República, Dilma Rousseff, em tramitação na Câmara, que
destina 100% dos royalties do petróleo para a educação e mais 50% do Fundo
Social do petróleo extraído da camada pré-sal. José Pimentel quer vincular à
educação todos os royalties do petróleo dos novos contratos de exploração
celebrados a partir de 3 de dezembro do ano passado.
- Ao adotar a
decisão pelos 10% do PIB para a educação pública, a Câmara transferiu a esta
Casa o ônus da descoberta das fontes de novos recursos. A ampliação da meta
representa um aumento considerável já que, em 2011, o gasto foi de 6,1% -
explica José Pimentel em seu relatório.
Alfabetização
Outra mudança
proposta pelo relator é relacionada à universalização da alfabetização.
Inicialmente, o governo propôs a idade máxima de oito anos. Na Câmara, o
critério foi mudado para até o fim do terceiro ano do ensino fundamental.
Agora, Pimentel propõe etapas: aos oito anos de idade e até o terceiro ano do
ensino fundamental na primeira metade da vigência do plano; aos sete anos, no
período compreendido entre o sexto e o nono anos de execução do plano; e ao fim
dos seis anos de idade, no décimo ano de vigência do PNE.
Tramitação
O PNE foi enviado
pelo governo federal ao Congresso em 15 de dezembro de 2010 e só passou pela
Câmara quase dois anos depois, em outubro de 2012, após ter recebido quase 3
mil emendas.
A proposta inicial
do governo era destinar 7% do PIB ao setor educacional, mas os deputados
fixaram este índice como meta intermediária, a ser alcançada no quarto ano de
vigência do PNE. Ao fim do plano, o percentual deve chegar a 10%, no mínimo.
No Senado, já foram
realizadas duas audiências públicas sobre o tema. Além da CAE, onde recebeu 80
emendas, o projeto será analisado nas comissões de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJ) e de Educação, Cultura e Esporte (CE), antes de ser votado em
Plenário.
A reunião da CAE
desta terça-feira será às 10h na Sala 19 da Ala Alexandre Costa e pode ser
acompanhada pela TV Senado.
Confira aqui
a íntegra do relatório do senador José Pimentel.
Entenda o PNE
O plano original
enviado pelo Executivo à Câmara está estruturado em duas partes: um texto
legal, composto de 14 artigos, sendo o último reservado à cláusula de vigência;
e um anexo constituído de 20 metas, desdobradas em 229 estratégias. Durante a
tramitação na Câmara, foram agregadas 59 estratégias à proposta, e algumas das
metas da proposta original foram reformuladas.
•Erradicação do
analfabetismo;
•Melhoria da
qualidade da educação;
•Universalização do
atendimento escolar;
•Valorização dos
profissionais da educação;
•Promoção do
princípio da gestão democrática na educação pública;
•Estabelecimento de
meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do PIB, que
assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e
equidade.
Algumas diretrizes previstas no PNE
• Erradicação do
analfabetismo;
• Melhoria da
qualidade da educação;
• Universalização do
atendimento escolar;
• Valorização dos
profissionais da educação;
• Promoção do
princípio da gestão democrática na educação pública;
• Estabelecimento de
meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do PIB, que
assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e
equidade.
Algumas metas previstas no PNE:
• Ampliar o
investimento público em educação de forma a atingir, no mínimo, o equivalente a
10% do PIB ao fim do decênio;
• Elevar a taxa de
alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até o fim
vigência do Plano, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa
de analfabetismo funcional;
• Triplicar as
matrículas da educação profissional técnica de nível médio;
• Ampliar a
proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no ensino
superior para 75%;
• Elevar
gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60.000
mestres e 25.000 doutores;
• Garantir que, até
o último ano de vigência do PNE, 80% dos professores que atuam na educação
básica tenham concluído curso de pós-graduação stricto ou lato sensu em
sua área de atuação;
• Oferecer, no
mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos na forma integrada à
educação profissional nos ensinos fundamental e médio;
• Universalizar, até
2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos e
ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo,
50% das crianças de até 3 anos até o fim da vigência do PNE;
• Oferecer educação
em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender,
pelo menos, 25% dos alunos da educação básica;
• Elevar a escolaridade
média da população de 18 a 29 anos, de modo a alcançar no mínimo 12 anos de
estudo no último ano de vigência do Plano Nacional de Educação para as
populações do campo, da região de menor escolaridade no país e dos 25% mais
pobres. Igualar a escolaridade média entre negros e não negros.
Fonte: Agência Senado
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