Hoje, lendo tirinhas da Mafalda
(como as que estão abaixo) lembrei-me de um poema de Gramsci. As tirinhas da
Mafalda, na verdade do Quino, são sensacionais. Leia e reflita.
Mas, por favor, não se contente
com a tirinha. Leia também o poema do Gramsci e aprofunde a reflexão.
Assim como ele, também odeio os
indiferentes. Alguns, como Bertolt Brecht alertou, são analfabetos políticos.
Mas, grande parte não. São apenas “indiferentes”.
Como diz Gramsci, “Indiferença
é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.”
Os Indiferentes
Antonio
Gramsci
“Odeio os indiferentes. Como
Friederich Hebbel acredito que ‘viver significa tomar partido’. Não podem
existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário.
Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os
indiferentes.
A indiferença é o peso morto da
história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se
afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda
a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do
que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os
assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta
heróica.
A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas
atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode
contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais
bem construídos; é a matéria bruta que
se revolta contra a inteligência e a sufoca.
O que acontece, o mal que se
abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode
gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à
indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos.
O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça
quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa
enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que
depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só
uma sublevação poderá derrubar.
A fatalidade, que parece dominar
a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste
absentismo.
Há fatos que amadurecem na
sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da
vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso.
Os destinos de uma época são
manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com
ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não
se preocupa com isso.
Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície;
o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a
arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco
fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que
quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e
quem foi indiferente.
Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que
se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam
piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta
questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer
valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu?
Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao
fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade
àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam
(com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.
A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de
insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras
brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer
responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não
serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais
urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo,
são todavia igualmente urgentes.
Mas essas soluções são
belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é
animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do
pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam
ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.
Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias
de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como
cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que
fizeram e, sobretudo, do que não fizeram.
E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão,
que não posso repartir com eles as minhas lágrimas.
Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão
comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa
cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que
aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência
dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se
sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado,
e que pretenda usufruir o pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta
realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não
conseguiu o seu intento.
Vivo, sou militante. Por isso
odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.”
OBS.: Os grifos são meus.
in La Città Futura, 11/2/1917
(atualíssimo)
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