sexta-feira, 28 de outubro de 2011

“Estão deixando a pesquisa de educação de lado”, afirma professora da USP sobre proposta de avaliação em creches

Maria Letícia Nascimento é professora doutora da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora na área da sociologia da infância e da educação infantil. Participa do Fórum Paulista de Educação Infantil e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd).

Por essa última faz parte de Grupo de Trabalho (GT) nº7, que emitiu moção de repúdio à adoção de políticas públicas em âmbito nacional, estadual e municipal de avaliação em larga escala do desempenho da criança de zero até 6 anos de idade. Leia a seguir a entrevista que concedeu ao Observatório.

Observatório da Educação - Existem problemas na avaliação para crianças que está sendo proposta?

Maria Letícia Nascimento -
Há muitos anos, na década de 50 e 70, dentro e fora do Brasil, havia uma proposta cuja síntese era a educação compensatória, mas era uma educação que se pautava pela ideia de “criança universal”. Que acreditava que todas as crianças são exatamente iguais do ponto de vista do desenvolvimento.
Se uma criança faz uma coisa em um momento, todas farão. E essa criança universal era fruto de pesquisas científicas, à medida que essa pesquisa tirava o contexto, a imagem da criança universal era generalizada, e se aplicava a todas as crianças.

Inventava-se material, formação, uma série de coisas, de maneira que todas as crianças correspondessem à idealização. Pesquisas posteriores perceberam que a ideia de criança universal não existe, você pode ter indicativos do que as crianças são capazes de fazer do ponto de vista físico, linguagem, mas nem todas passam pelas mesmas coisas ao mesmo tempo. Esse material que chegou quer exatamente avaliar crianças a partir de indicadores restritos, repetidos. Isso que já tinha sido deixado de lado.

Esse material não pode ser usado na educação. A gente não é professor para medir se ela [criança] já é capaz de fazer uma coisa ou outra, mas para promover situações em que elas possam brincar, interagir e ter acesso ao mundo cultural dos adultos, para que elas produzam sua própria cultura.

Não é neurociência que entende a criança pequena. Nós da educação temos condição de entender a criança em contexto de educação. Estão deixando a pesquisa de educação de lado. Estão vendo crianças como objetos. Você lubrifica aqui, troca o óleo e as crianças vão funcionar durante muito tempo. Elas estão virando objetos de novo, deixaram de ser sujeitos.

Observatório – Se é retrógrado, por que ressurge nesse momento?

Maria Letícia –
Se imagina que esse tipo de situação seja uma saída para países desiguais como o nosso, porque vai trabalhar desse jeito com crianças pobres, é investimento. Os economistas compraram a ideia. Apostam que o grande investimento no país é investir na primeira infância. Acho que estão corretos teoricamente, mas para eles isso é conseguir controlar criança dentro de uma perspectiva de desenvolvimento igual.

Outro dia recebi propaganda de livro chamado “Como Investir na Primeira Infância” (Singular, 2011, 308 páginas), escrito por economistas. É um investimento, os economistas compraram a ideia da neurociência. É possível ganhar dinheiro com isso. É uma situação que nos deixa atônitos.

Ninguém imaginou que viria agora com essa força, e ninguém está preocupado com uma pesquisa que tem sido feita sobre crianças pequenas a não ser na área da neuropsicologia cognitiva e na economia. São as três áreas unidas para propor controle do desenvolvimento das crianças.

Crianças serão avaliadas [com referência a] essa criança idealizada. Se a criança é prematura, você tem que descontar dois meses. São 7 meses, mais 15 dias... É algo funcional. Crianças que convivem juntas, ou que eu e você aprendemos não é considerado, é considerada a idade delas. Pode ser interessante isso pensar em investimento, o povo da saúde que gosta de controlar. Dentição etc., controla as coisas todas, mas para educação isso não tem o menor sentido.

Temos instrumento construído pelos pedagogos, especialistas da área, para avaliação, auto-avaliação, os Indicadores de Qualidade na Educação Infantil. Onde se avalia contexto, não se avalia crianças. O que a gente tem que avaliar são contextos em que as crianças podem interagir e tudo isso. Nem todas as crianças se desenvolvem do mesmo jeito.

Tem um sociólogo dinamarquês de que gosto muito, Jens Qvortrup. Ele diz que costumam achar que crianças são máquinas, onde você coloca coisas e elas saem do jeito que você programou. Tem “input” e “output”, mas isso é ilusório, porque, como ele diz, as progressões gostam de entender crianças como máquinas triviais. Se fossem, o mundo não teria evoluído, teria parado no que se ensina na escola. Esse tipo de procedimento reduz as potencialidades das crianças, a quem controlam com tanto critério, que acabam perdendo de vista as crianças reais.

Observatório – Algum tipo de avaliação para a educação infantil é necessária?

Maria:
A educação infantil nunca teve avaliação como tema, porque a área ficou traumatizada por conta da avaliação de crianças feitas na década de 70. As pessoas ficaram receosas de trabalhar com esse tema.

Mas três ou quatro anos atrás, o MEC chamou um grupo de especialistas para montar indicadores de qualidade para educação infantil, que constituiu um livro que traz diferentes dimensões do que deve ser avaliado. É uma auto-avaliação e não é obrigatória, foi distribuída pelo Brasil inteiro. Existe intenção, sim, do MEC, em mudar essa política de avaliação da educação infantil. Avaliação, mas não das crianças, da educação.

Fonte: Observatório da Educação.

EXPEDIENTE
Coordenação editorial:
Denise Carreira
Redação: Lia Segre e Vanessa Ramos
Edição: Fernanda Campagnucci

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