Autônomas, escolas decidem qual o limite da repetência, e educadores se dividem sobre benefícios
Adauri Antunes Barbosa e Carolina Benevides - O GLOBO
RIO e SÃO PAULO. Aos 17 anos, Pedro Medeiros, aluno do 9º ano do ensino fundamental, acaba de conquistar a medalha de ouro na olimpíada brasileira de matemática. Mas, antes de fazer 123,5 pontos dos 150 que a prova Canguru Matemático sem Fronteiras permite, Pedro foi reprovado duas vezes. Aluno do Colégio Cruzeiro - que este ano, ocupou a 7ª posição no ranking nacional do Enem e a 2ª no ranking do estado do Rio -, ele repetiu o 6º e o 8º anos. No Brasil, segundo dados do Ministério da Educação (MEC), 10,3% dos alunos do ensino fundamental foram reprovados em 2010. No ensino médio, o índice foi de 12,5%.
- Jamais gostei de estudar. Em 2006, no 6º ano, eu ia mal, não entendia nada de matemática, meu pai morreu, e aí fui reprovado. No 8º ano, eu continuava sem entender nada de matemática. Repeti e conheci o professor Jorge (Gomes Santos), que me fez aprender e gostar da disciplina - diz Pedro, afirmando que as reprovações se tornaram um ponto positivo de sua vida. - No começo, foi ruim; eu chorei dois dias seguidos, depois, não aceitava a turma. Quando repeti o 8º ano, passei uns dias achando que era pegadinha! Mas amadureci, vi que tinha que me esforçar.
Jorge Gomes Santos, professor de matemática do 8º ano, concorda:
- Muitas vezes a reprovação vira crescimento. E os pais precisam entender que às vezes ela é necessária.
Assunto polêmico, a reprovação divide educadores. Para uns, "uma educação de verdade nem cogita reprovar". Outros acreditam que a medida é necessária em alguns casos. Autônomos, os colégios particulares de ponta - aqueles que ocupam as melhores colocações no Enem - lidam com o tema de acordo com seus projetos pedagógicos. Há os que sugiram que o aluno se retire, os que só permitem que a matrícula seja feita se houver vaga sobrando, os que aceitam que o estudante fique reprovado uma vez ao longo da trajetória acadêmica, e ainda os que trabalham com dependência, quando o aluno passa para a série seguinte e tem que fazer uma ou duas disciplinas da série anterior.
Nas escolas públicas, por sua vez, cada município e cada estado decidem o método que vão seguir. E o Conselho Nacional de Educação (CNE) recomenda que, em todas as escolas do país, nenhum aluno dos três primeiros anos do ensino fundamental seja reprovado.
- O Brasil tem um índice alto de reprovação e isso é um fracasso, porque a reprovação é ruim em todos os momentos. O aluno que repete, por exemplo, por conta de uma disciplina, fica desestimulado, acha o ensino tedioso, torna-se aborrecido. Além de passar por um descompasso na relação social, por conta da defasagem idade-série, o que impacta na aprendizagem - diz Maria Pilar Lacerda, secretária de Educação Básica do MEC.
"Reprovar no ensino fundamental não tem sentido"
Professor da Faculdade de Educação da USP, Vitor Henrique Paro diz que "na nossa cultura, por desconhecimento, por ignorância, a reprovação se tornou parte da educação":
- O senso comum acredita que, se não tiver reprovação, o aluno não estuda. Parte do pressuposto que fazer estudar é reprovar. Então, a criança não vai à escola para aprender, mas para passar de ano. Para mim, reprovar no ensino fundamental não tem o menor sentido.
Não é no que acreditam Isabel Rodrigues Monteiro, coordenadora de segmento do 6º ao 9ª ano, e Denize Peterson, orientadora educacional, do Cruzeiro.
- Acompanhamos aluno por aluno. Conversamos com os que têm dificuldade, sabemos se passam por um momento difícil, chamamos a família, orientamos, oferecemos aulas extras. Mas nem sempre é possível resgatar o aluno e evitar a reprovação. Então, quando acontece, tomamos cuidado para que ele não se sinta menosprezado, buscamos mostrar no que ele se destacou e o acolhemos na volta às aulas. Por conta disso, a gente diz que, para ser positiva ou negativa, a reprovação depende de como é tratada pela escola - diz Isabel, lembrando que os alunos do Cruzeiro são jubilados se repetirem duas vezes a mesma série.
Uma das dez primeiras escolas no ranking nacional do Enem, o Vértice só permite que o aluno seja reprovado uma vez. Quem repete duas vezes não pode renovar a matrícula.
- Ninguém fica feliz quando é reprovado. Mas aí uma tia chama para contar que repetiu, mais gente da família vem conversar. Aí, a gente vê que repetir não é o fim do mundo, e consegue se recuperar - diz Bruna Akinaga Moreira, de 16 anos, aluna do Vértice, reprovada no ano passado, no 1º ano do ensino médio.
- Se a retenção puder ser evitada, é melhor. Mas às vezes é inevitável. Quando percebemos o rendimento baixo, conversamos com a família. Se ela acha que a reprovação vai diminuir a estima do aluno, a gente sugere que ele seja transferido para outra instituição. Outras vezes, sugerimos a mudança porque o aluno não tem perfil para continuar na escola - diz Adilson Garcia, um dos diretores.
No Colégio Santo Inácio, do Rio, basta repetir uma vez para não ter a vaga garantida no ano seguinte. Por meio da assessoria de imprensa, a escola explica que o conselho de professores decide quem permanecerá. São analisados, além das notas, se o aluno passou por algum problema e se está integrado ao perfil da escola. No Santo Agostinho, também do Rio, e 3º lugar no ranking estadual do Enem, quem repete também não tem a vaga garantida. Mas, neste caso, só fica na escola se todos os reprovados daquela série tiverem vaga no próximo ano. A reportagem procurou o São Bento, 1º lugar no ranking nacional do Enem, mas a coordenadora estava viajando.
Também no Rio, o Colégio Zaccaria não reprova, a partir do 6º do ensino fundamental, se o aluno só não tiver conseguido média em uma disciplina. A dependência permite que ele avance e curse, ao mesmo tempo, a matéria do ano anterior.
- A gente luta para não reprovar, conversa com as famílias, oferece aula extra. Mas, muitas vezes, os adolescentes não estudam porque não querem, e nesse caso a reprovação é válida - diz Angela Maria dos Santos, da coordenação geral do Zaccaria.
Para Helena Sandes, coordenadora do Mopi Tijuca, o fundamental é que as escolas analisem caso a caso, com atenção:
- A reprovação não se dá no último bimestre, e é necessário que a escola trabalhe a relação de causa e efeito. Então, quando o aluno se mostra desinteressado, não estuda e conta com a sorte, a reprovação é necessária. Por outro lado, se o estudante está com algum problema de saúde, se houve uma morte na família e o rendimento cai, a reprovação não é indicada. É preciso ter critério.
O senso comum acredita que, se não tiver reprovação, o aluno não estuda. Parte do pressuposto que fazer estudar é reprovar. Então, a criança não vai à escola para aprender, mas para passar de ano"
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Vitor Henrique Paro, professor da Faculdade de Educação da USP
"Se a retenção puder ser evitada, é melhor. Mas, às vezes, a reprovação é inevitável"
Adilson Garcia, um dos diretores do Colégio Vértice
Fonte: Educacionista
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