O texto abaixo foi copiado do
perfil Reinaldo Melo. Uma indicação do professor Adilson Ferreira dos Santos. É mais um dos muitos textos de reflexão sobre a atuação do
sindicato dos professores da rede pública do estado de São Paulo (Apeoesp).
O sindicato, hoje, é nosso maior inimigo
Antes das pedras voarem, afirmo
que estou em greve, o que me dá mais tranquilidade para escrever este texto.
George Orwell, na obra 1984,
constrói o conceito do duplipensar, duplifalar. São, pois, ferramentas que
condicionam a sociedade oprimida do livro a não praticarem quaisquer atos de
reflexão herética em relação ao status quo. Utilizam-se meios para paralisar,
encurtar, negar, obstruir tudo quanto é tipo de pensamento ousado, de crítica
nevrálgica, de propostas construtivas que tentem modificar o mínimo de consenso
diante da ordem estabelecida.
O romance de Orwell nos dá
parâmetros para analisar a postura da direção sindical na construção da greve
atual. Além do duplipensar, duplifalar, o sindicato atua como as nações do
romance, ora adversárias, ora aliadas.
Ora, Ora. Governo é governo e sua
função é, diante dos ditames do neoliberalismo, nos ferrar por completo.
Nenhuma novidade. Mas o problema é quando o sindicato não segue a sua função,
que é a de organizar a categoria para barrar a retirada de seus direitos.
“Mas o sindicato não está
chamando a greve? Como ele não está cumprindo a sua função?”, podem me
perguntar os colegas.
O sindicato não cumpre sua função
quando se utiliza da luta da categoria para atingir objetivos escusos. Nas
greves de 2008 e de 2010, isso ficou muito bem claro por conta da agenda
eleitoral. A direção sindical não tinha o pudor de disfarçar nos discursos a
intenção de desgastar o partido rival. Pior é ouvir de professor em 2010 “pelo
menos evitamos do Serra ganhar a presidência.” Como se uma eleição estivesse
acima dos meus direitos como professor. Tal fala do professor revela como esse
aspecto orwelliano está entranhado nas diretrizes do sindicato.
Nesta greve, porém, as coisas
estavam, para mim, ocultas demais. Por que o sindicato chamaria uma greve fora
do ano eleitoral? Esta direção sindical nunca ligou para a categoria, mesmo,
por que queimaria um cartucho de uma greve um ano antes?
Na pauta de reivindicação estava
36% de aumento, mas vozes oficiais do sindicato já falam em 13% sem isso ser
votado em assembleia. Fazer esquecer o que foi dito, para não revelar as
contradições é uma ferramenta orwelliana.
Mas esta greve é uma greve pela
categoria O. Os O tem de ter direitos básicos garantidos. Isso foi mais do que
dito no caminhão ontem. E eis aí a chave para uma suposta compreensão (já que
se dizer dono da verdade hoje é mais perigoso do que antes): o sindicato está
legitimando, mais uma vez, uma aberração criada pelo Estado. Ao lutar pelos
direitos da categoria O, dá-se o aval da existência de um professor que não
deveria existir numa educação séria. Proporcionalmente, o categoria O é um
professor cuja condição de trabalho com base na constituição de 1988 é análoga
à escravidão, sem vínculo para a aposentadoria, sem direito à férias integrais,
sem direito à falta, à licença médica, etc.
O discurso não pode ser o de
“direitos” à categoria O, mas o da extinção da categoria O e dos ACTs em geral.
O professor em contrato temporário deve ser uma exceção, não uma regra. Quando
a direção do sindicato sobe ao caminhão e reconhece a existência do O como algo
irreversível, atua no modo duplipensar e duplifalar orwelliano: é negada à
categoria qualquer oportunidade de crítica radical. Quando a Bebel sobe e fala
sobre garantir os direitos do O, ela diz “legitimar a existência dos Os.”
Não tenho bases numéricas para o
que vou dizer, mas falo pelo que observo. Os professores de categoria O são, em
parte, jovens que não são politizados e nem sindicalizados. Para se ter uma
ideia, dois destes professores acabaram de sair da faculdade e defenderam
Hitler num intervalo, na sala dos professores. No entanto, por mais
despolitizados que esta parte seja, nenhum tem desconhecimento da situação de
agruras em que estão metidos. Sabem que fazem o mesmo que os demais
professores, mas têm o de menos. É claro que aí se constrói uma grande demanda
para as manipulações do sindicato.
Ao invocar uma greve pela
categoria O, podemos supor que o sindicato tem como intenção a formação de uma
base para a sua agenda eleitoreira de 2014 ao mesmo tempo em que atrai novos
sindicalizados. Dois coelhos numa paulada, dinheiro no caixa e base eleitoral,
partidária e sindical.
Mas não está apenas nisto a minha
defesa de que o sindicato é nosso pior inimigo. Sabemos que o governo do
Estado, nas mãos do PSDB, que, teoricamente, é o nosso maior inimigo.
Mas imagine o colega leitor que
ele seja do exército laranja e sua missão principal é derrotar o exército
amarelo. No meio do caminho não tinha uma pedra, mas o exército vermelho que
impede o acesso ao combate contra o exército amarelo. Qual se torna o maior
inimigo de então? Um ponto a mais no IDESP para quem disse o exército vermelho.
Eis a questão. O sindicato quando
é braço de um partido político, coloca os interesses deste partido acima dos
interesses da categoria. Esta é vista como massa de manobra, e a manipulação
desta massa fica muito clara com os dizeres da turma do caminhão. Nesta manobra
está tudo, menos o enfrentamento radical a quem nos massacra: o governo do
estado de SP.
O sindicato há muitas décadas é
um obstáculo entre a categoria, que muitas vezes foi para a rua com sangue nos
olhos, e o governo do estado. Isso fica muito claro no impedimento de votação
de qualquer radicalização do movimento. O estado pode radicalizar conosco, mas
nós não podemos radicalizar porque senão vão queimar o filme do partido da
direção sindical no Jornal Nacional e manipulações afins. Seja acampamento na
porta da SEE, seja greve de fome na porta do Palácio dos Bandeirantes, nenhuma
proposta que revele uma crítica radical ou o desespero dos professores pode
sequer entrar em votação.
O sindicato (ou a direção
sindical, pra não dizerem que quero a extinção do que pode ser uma ferramenta
nossa), afirmo, é, hoje, o principal inimigo da categoria. O governo é
previsível, sempre vai querer nos ferrar. Mas os movimentos do sindicato, na
intenção de manipular a categoria, são imprevisíveis, mas dentro de uma
previsibilidade de traição. Quando o governo tem a intenção de nos ferrar, está
dentro de suas funções, mas quando o sindicato não está dentro de suas funções
de que é a radicalização da luta dos professores na proporção da radicalidade
do governo, logo o sindicato é cúmplice dos crimes do estado. O maior inimigo é
aquele que se traveste de amigo.
Muitos dos colegas históricos
desta greve já estão com o discurso de derrotados: “Eu sei que o sindicato vai
trair, mas estou em greve por minha consciência, por um grito de desespero.” É
triste ouvir isso de colegas engajados, mas não os culpo. Este sentimento de
derrota previsível vem de traições rotineiras da direção sindical. Quando se
fala mais em greve por consciência individual do que por uma greve em torno de
um coletivo é sinal de que a categoria inexiste ou fragmentada está.
Ainda tenho esperanças e
consciência de que o sindicato é uma ferramenta primordial para a emancipação
dos trabalhadores, mas enquanto vermos Bebel e Cia em cima do caminhão a nos
tratar como idiotas, o fim dos professores está mais próximo do que a
valorização que tanto almejamos.
Sou professor da categoria O, mas não me enquadro e conheço poucos na minha deplorável situação que se enquadrem no modelo despolitizado que é notado no texto. As mulas (não há termo mais brando para a defesa do nazismo) existem, mas não creio que seja muito diferente entre o quadro de professores efetivos. Concordo que a realização de concurso público e a efetivação para a garantia dos já tão precários recursos e direitos seria a solução. Mas, se analisarmos de perto, a diferença entre o concurso público e o processo seletivo anual para a contratação temporária é pouco mais que nominal. Assim, vejo professores que já passaram por três ou quatro avaliações positivamente, e ainda assim sofrem o fardo do contrato temporário. Quanto ao mérito destas avaliações há o que se debater (tal qual em relação às provas do concurso público). Mas é sobre esta questão que me preocupei. Concordo que não temos nem apoio do governo e nem do sindicato. Temos somente a nós, politizados ou não, pelegos ou não. Categoria A de amor ou B de baixinho, devemos nós construir as discussões e pautas onde nos falta o norte. Cabe aos que pensam levar os demais a pensar. Se nos dividirmos e nos rotularmos, PT, PSDB ou quem quer que seja farão de nós massa de manobra.
ResponderExcluirHenrique, excelente seu comentário. Esse blog cumprirá tanto mais sua função quando servir para estimular o debate entre os professores e demais leitores. Seria interessante se você fizesse esse comentário também no perfil no facebook do professor Adilson e também no do Reinaldo Melo, que é o autor do texto.
ExcluirAo seu comentário acrescento ainda que é preciso que os "O", os "F", os efetivos, enfim a categoria se una em torno da melhoria da educação. A busca desse objetivo perpassa não apenas pela luta para que o governo cumpra a lei do concurso (abertura de concursos para o preenchimento das vagas), mas também pela garantia de condições de trabalho (melhoria do ambiente, da infraestrutura, da segurança...), assim como pela possibilidade de constante formação (ir ao teatro, ao cinema, exposições, entre outras atividades culturais, além de fazer cursos de aperfeiçoamento, de graduação e pós-graduação) e também pela questão salarial.