“Com nosso silêncio, com nossa disposição de transigir
nossos princípios, por nossa tentativa constante de curar o câncer da injustiça
social com o unguento do gradualismo, por nossa vontade em relação à aquisição
e ao uso indiscriminado de armas, permitindo que as telas de nossos cinemas e TVs
ensinem nossos filhos que o herói é aquele que domina a arte de atirar e a
técnica de matar, permitindo tudo isso, criamos uma atmosfera em que a
violência e o ódio se tornaram passatempos populares.”
“Acreditar na não violência não significa que a violência
não lhe possa ser infligida. Aquele que acredita na não violência se dispõe a
ser vítima da violência, mas nunca vai aplicá-la a outrem. Vive com a convicção
de que, sofrendo e carregando sua cruz, a situação pode ser reparada.”
As reflexões acima são de Martin Luther King. Foram
extraídas do livro A autobiografia de Martin Luther King, da Zahar. Retratam os pensamentos
opostos de um debate de extrema importância que acontece na sociedade
brasileira: a redução da maioridade penal.
Em votação
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/1993, que tramita na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), da Câmara dos Deputados propõe a
redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Outras propostas a ela apensadas
propõem redução ainda maior.
Pesquisa do Ibope, realizada em setembro de 2014, aponta que 83% dos brasileiros são
favoráveis à redução da maioridade penal. A Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) observa,
porém, que o assunto, assim como as pesquisas de opinião, sempre é colocado em
pauta em momentos de comoção nacional, após a ocorrência de crimes bárbaros
cometidos por adolescentes.
Para o professor constitucionalista André Ramos Tavares,
ouvido pelos deputados em reunião da CCJ, a maioridade
penal aos 18 anos é uma cláusula pétrea da Constituição. Não pode ser alterada.
Segundo ele, o artigo 228 da Constituição, que trata do assunto, é um direito
fundamental e não se admite sequer a tramitação de emendas que o modifiquem.
Mesmo assim, o deputado Arthur Lira (PP-AL), atual
presidente da CCJ, disse
que colocará a PEC 171/93 como único item de pauta em todas as sessões
extraordinárias, até haja votação sobre a mesma.
Pedagogia do tapa
As pesquisas não fizeram tal comparação, mas, tudo indica
que as pessoas que acreditam ser necessária a redução da maioridade penal são
as mesmas que defendem a palmada, a surra e mais o que for preciso para “domesticar”
as crianças. Para elas, é punindo, é batendo que se resolvem as coisas. Depois,
quando os adolescentes usam a violência para “resolver” as coisas, querem
puni-los.
Estas pessoas são as mesmas que acreditam que os ‘cidadãos
de bem’ precisam se armar para se defender da violência, dos assaltos. Como
dizia Luther King, acreditam que os heróis precisam saber atirar e matar.
A Igreja
Para a CNBB,
o Estado, a Sociedade e a Família não têm cumprido adequadamente seu dever de
assegurar os direitos da criança e do adolescente, conforme estabelece a
Constituição Federal. “Criminalizar o adolescente com penalidades no âmbito
carcerário seria maquiar a verdadeira causa do problema, desviando a atenção
com respostas simplórias, inconsequentes e desastrosas para a sociedade”, diz em
nota.
As Pastorais de Juventude (PJs) também são contrárias à
redução da maioridade penal. Afirmam
que “trancar jovens com 16 anos em um sistema
penitenciário falido que não tem cumprido com a sua função social e tem
demonstrado ser uma escola do crime, não assegura a reinserção e reeducação
dessas pessoas, muito menos a diminuição da violência”.
Olho por olho...
As PJs apontam que “a população
de adolescentes (12 a 17 anos) no Brasil é de 20.666.575, segundo dados do IBGE
de 2010. Deste total, 22.077 (0,01%) estão em conflito com a Lei, sendo 1.852
fichados por prática de homicídio”.
O fato é que os deputados querem votar uma PEC que atinge
100% dos adolescentes, quando um número ínfimo está em conflito com a Lei. Mas,
se recusam a votar projetos que colocariam na cadeia quase a totalidade de
deles, se considerarmos as denúncias que pesam sobre quase a totalidade deles.
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