O texto
abaixo é de autoria de Marcius Henrique da Rosa. Encontrei-o publicado no grupo da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE) no facebook. O autor disse já tê-lo espalhado por diversos
sites e autorizou a utilização do mesmo a quem quiser utilizá-lo. Resolvi
publicá-lo aqui porque o texto traz inúmeros argumentos que podem contribuir
com a reflexão sobre o debate que está posto na sociedade, mas caminha desfocado
(para não dizer sem foco), com argumentos superficiais, preconceituosos e
altamente manipulados pela imprensa, assim como no caso de outras questões sociais, que são discutidas parcial e superficialmente.
10 razões para ser contra a redução da maioridade penal:
1. Culpabilização
do adolescente.
As estatísticas demonstram que apenas 0,2% dos adolescentes (entre 12 e
18 anos) estão cumprindo alguma medida sócio-educativa no Brasil por terem
cometido atos infracionais. Isso prova que a criminalidade não é maior nesta
faixa etária, ou seja, não há um problema específico relacionado à maioridade
penal.
2. Desvio do
foco das verdadeiras causas.
A discussão sobre maioridade penal desvia o foco das verdadeiras causas
do problema da violência, colocando a culpa no adolescente. As pesquisas realizadas
nas áreas social e educacional apontam que no Brasil a violência está
profundamente ligada a questões como: desigualdade social (diferente de
pobreza!), exclusão social, impunidade (as leis existentes não são cumpridas,
independentemente de serem "leves" ou "pesadas"), falhas na
educação familiar e/ou escolar principalmente no que diz respeito à chamada
educação em valores ou comportamento ético, e, finalmente, certos processos
culturais exacerbados em nossa sociedade como individualismo, consumismo e
cultura do prazer.
3. Reações
emocionais motivadas pelas "más notícias" veiculadas pela mídia.
Em geral, quando tomamos conhecimento de histórias de atos bárbaros
cometidos por jovens, temos naturalmente um sentimento de indignação, que por
sinal é muito justificado. Porém, quando tomamos contato com números que
mostram que apenas 2 em cada 1000 adolescentes se envolvem em delitos, podemos
relativizar esta indignação e não generalizá-la a todos os jovens, uma vez que
esses atos bárbaros, apesar de serem chocantes, são casos isolados.
4. Crença de que
as leis mais "pesadas" resolvem o problema.
Muitas vezes imaginamos que leis mais rigorosas poderiam combater a
violência e melhorar a situação brasileira. Mas essa ideia certamente é
equivocada, uma vez que encontramos vários exemplos históricos e atuais de
regimes extremamente rígidos em diversos países, que ainda assim não
conseguiram reduzir ou resolver o problema da violência. Na verdade, não
precisamos de leis mais rígidas, mas sim de rigor e ética no cumprimento das
leis que já existem. Sem contar que no Brasil é muito comum haver injustiça e preconceito
na aplicação das leis. Pobres e negros lotam os presídios enquanto políticos
corruptos continuam no poder, abusando dos seus privilégios. Se as leis forem
mais rígidas, obviamente essa rigidez afetará automaticamente o setor excluído
da sociedade e não as camadas dominantes. Sendo mais claro: da forma como
estamos, se um adolescente pobre cometer um delito certamente será preso, mas
dificilmente um filho da elite sofrerá a mesma punição.
5. Satanização
da adolescência pela sociedade.
Quando queremos reduzir a maioridade penal parece que há um discurso
implícito que diz mais ou menos o seguinte aos adolescentes: "nós
desconfiamos de vocês... se não andarem na linha, nós vamos puni-los com
rigor!" Ou seja, passamos a cultivar um espírito de desconfiança, tratando
os adolescentes como se fossem nossos inimigos. No entanto, sabemos que a
adolescência é uma fase em que o ser humano é tomado por diversos conflitos e
um forte sentimento de insegurança, de maneira que nossa desconfiança pode ter
o poder de acentuar ainda mais as dores de um período por si só doloroso.
Precisamos valorizar o jovem, considerá-los como parceiros na caminhada para
construção de uma sociedade melhor, e não como vilões que estão colocando a
nação em risco.
6. Crença de que
os jovens terão medo da punição e cometerão menos delitos.
Por que temos medo de receber uma punição como a prisão? Certamente
porque gostamos de viver a vida em liberdade, temos uma boa rede de afetos
(família e amigos), temos uma rotina que de alguma forma tem atividades
estimulantes, das quais não queremos abrir mão. Então, se um adolescente tiver
autoestima baixa, pouca referência afetiva e uma vida muito difícil, será que
ele vai se importar com uma punição mais rigorosa? Será que terá tanto medo
quanto nós temos, a ponto de deixar de fazer alguma coisa para não ser punido?
E não são justamente estes adolescentes que cometem atos infracionais mais
graves, os que já não têm uma vida digna a prezar? Muitos já arriscam a própria
vida todos os dias convivendo com traficantes, chefes de quadrilhas e gangues,
então, por que terão medo da lei? As punições só podem causar medo e impedir o ato
quando aprendemos a gostar de viver e sentimos a necessidade de lutar pela vida
que ganhamos e construímos. Até mesmo a morte não causará medo em pessoas que
não têm perspectiva.
7. Crença de que
a prisão educa.
Reduzindo a maioridade penal, adolescentes vão para a prisão. E daí?
Depois de tudo o que sabemos sobre as condições dos presídios brasileiros, como
ainda acreditamos que um adolescente poderá aprender alguma coisa e se reeducar
num sistema que não oferece nenhuma condição de educar ninguém?
8. Crença de que
a lei atual é "mole" e o ECA enfatiza apenas os direitos.
Para quem pensa desta forma, o desafio é ler o Estatuto da Criança e do
Adolescente. Esta lei foi criada para proteger os menores de 18 anos de
comportamentos gravíssimos cometidos por adultos, como negligência,
espancamento e abuso sexual. Mas, ao mesmo tempo em que protege, garantindo os
direitos, a lei também exige os deveres e prevê reparações de erro, trabalho
comunitário, tratamento e até mesmo privação de liberdade para o caso de jovens
em conflito com a lei. Assim, mais uma vez o problema não é a lei que é frouxa,
mas o fato das leis existentes não serem cumpridas ou serem cumpridas de
maneira inadequada. Muitos adolescentes que são privados da sua liberdade, por
exemplo, não ficam em instituições efetivamente preparadas para reeducar estes
jovens e acabam reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. Um ambiente
adequado para cumprimento de medidas sócio-educativas precisa contar com
profissionais preparados e recursos adequados para recuperar o ser humano.
9. Dificuldade
de admitirmos a nossa parcela de responsabilidade.
O ser humano, em geral, tem a tendência de olhar muito facilmente a
culpa do outro, o erro do outro, o mal que o outro causa, e uma imensa
dificuldade em olhar para si e enxergar a sua própria culpa, os seus próprios
equívocos, o seu próprio mal. É a velha e sábia história: olhamos para o cisco
no olho dos outros e não retiramos o cisco que se encontra em nossos próprios
olhos. Assim, defendendo a redução da maioridade penal corremos o risco de
olhar apenas para o adolescente e esquecer o nosso próprio egoísmo, nossa falta
de solidariedade, nossa indiferença social, nosso consumismo, nossa
ostentação... fatores que reforçam a desigualdade social e contribuem para
deixar os jovens mais desamparados e perdidos em termos de valores. Não podemos
simplesmente querer punir jovens que cometem atos infracionais sem nos lembrar dos
nossos descasos cometidos em nosso dia-a-dia.
10. O ódio em
alta.
O perdão e o amor em baixa. Este é o ponto mais difícil de ser tratado
porque mexe com áreas muito profundas do nosso ser. Certamente a indignação
causada pelas notícias de adolescentes que cometem atos infracionais nos leva
facilmente ao ódio. O ódio nos leva a procurar uma forma de vingança. Desperta
o desejo de dar uma punição extremamente rigorosa a eles. Quando pensamos do
ponto de vista da vítima, imaginando o sofrimento pelo qual passou e a dor que
atingiu a família, é quase natural que esse ódio seja reforçado. Porém, apesar
de difícil, vale à pena o exercício de tentar pensar no lado do adolescente. Um
jovem que comete uma barbaridade tem sua vida marcada para sempre (sua
consciência e o julgamento da sociedade são cruéis); uma vida que poderia ter
se tornado mais um brilho para dar luz ao mundo, foi apagada; uma energia que
poderia ajudar na transformação do mundo foi interrompida; uma chama criativa
que poderia contribuir para melhorar a raça humana foi extinta, talvez para
sempre. Se pensarmos assim, talvez encontremos um espaço para a compaixão e o
perdão... porque a vida que fica talvez não sofra menos do que a vida que se
foi... Além disso, quando vemos um jovem que se envereda pelos caminhos
tortuosos da criminalidade, de certa forma nos deparamos com nosso próprio
fracasso enquanto sociedade... fracasso por não termos conseguido conduzir uma
vida para sua realização plena e ética, enquanto ser humano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário