quinta-feira, 18 de abril de 2013

A sociedade caminha sem foco


O texto abaixo é de autoria de Marcius Henrique da Rosa. Encontrei-o publicado no grupo da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE) no facebook. O autor disse já tê-lo espalhado por diversos sites e autorizou a utilização do mesmo a quem quiser utilizá-lo. Resolvi publicá-lo aqui porque o texto traz inúmeros argumentos que podem contribuir com a reflexão sobre o debate que está posto na sociedade, mas caminha desfocado (para não dizer sem foco), com argumentos superficiais, preconceituosos e altamente manipulados pela imprensa, assim como no  caso de outras questões sociais, que são discutidas parcial e superficialmente.


10 razões para ser contra a redução da maioridade penal:

1. Culpabilização do adolescente.
As estatísticas demonstram que apenas 0,2% dos adolescentes (entre 12 e 18 anos) estão cumprindo alguma medida sócio-educativa no Brasil por terem cometido atos infracionais. Isso prova que a criminalidade não é maior nesta faixa etária, ou seja, não há um problema específico relacionado à maioridade penal.

2. Desvio do foco das verdadeiras causas.
A discussão sobre maioridade penal desvia o foco das verdadeiras causas do problema da violência, colocando a culpa no adolescente. As pesquisas realizadas nas áreas social e educacional apontam que no Brasil a violência está profundamente ligada a questões como: desigualdade social (diferente de pobreza!), exclusão social, impunidade (as leis existentes não são cumpridas, independentemente de serem "leves" ou "pesadas"), falhas na educação familiar e/ou escolar principalmente no que diz respeito à chamada educação em valores ou comportamento ético, e, finalmente, certos processos culturais exacerbados em nossa sociedade como individualismo, consumismo e cultura do prazer.

3. Reações emocionais motivadas pelas "más notícias" veiculadas pela mídia.
Em geral, quando tomamos conhecimento de histórias de atos bárbaros cometidos por jovens, temos naturalmente um sentimento de indignação, que por sinal é muito justificado. Porém, quando tomamos contato com números que mostram que apenas 2 em cada 1000 adolescentes se envolvem em delitos, podemos relativizar esta indignação e não generalizá-la a todos os jovens, uma vez que esses atos bárbaros, apesar de serem chocantes, são casos isolados.

4. Crença de que as leis mais "pesadas" resolvem o problema.
Muitas vezes imaginamos que leis mais rigorosas poderiam combater a violência e melhorar a situação brasileira. Mas essa ideia certamente é equivocada, uma vez que encontramos vários exemplos históricos e atuais de regimes extremamente rígidos em diversos países, que ainda assim não conseguiram reduzir ou resolver o problema da violência. Na verdade, não precisamos de leis mais rígidas, mas sim de rigor e ética no cumprimento das leis que já existem. Sem contar que no Brasil é muito comum haver injustiça e preconceito na aplicação das leis. Pobres e negros lotam os presídios enquanto políticos corruptos continuam no poder, abusando dos seus privilégios. Se as leis forem mais rígidas, obviamente essa rigidez afetará automaticamente o setor excluído da sociedade e não as camadas dominantes. Sendo mais claro: da forma como estamos, se um adolescente pobre cometer um delito certamente será preso, mas dificilmente um filho da elite sofrerá a mesma punição.

5. Satanização da adolescência pela sociedade.
Quando queremos reduzir a maioridade penal parece que há um discurso implícito que diz mais ou menos o seguinte aos adolescentes: "nós desconfiamos de vocês... se não andarem na linha, nós vamos puni-los com rigor!" Ou seja, passamos a cultivar um espírito de desconfiança, tratando os adolescentes como se fossem nossos inimigos. No entanto, sabemos que a adolescência é uma fase em que o ser humano é tomado por diversos conflitos e um forte sentimento de insegurança, de maneira que nossa desconfiança pode ter o poder de acentuar ainda mais as dores de um período por si só doloroso. Precisamos valorizar o jovem, considerá-los como parceiros na caminhada para construção de uma sociedade melhor, e não como vilões que estão colocando a nação em risco.

6. Crença de que os jovens terão medo da punição e cometerão menos delitos.
Por que temos medo de receber uma punição como a prisão? Certamente porque gostamos de viver a vida em liberdade, temos uma boa rede de afetos (família e amigos), temos uma rotina que de alguma forma tem atividades estimulantes, das quais não queremos abrir mão. Então, se um adolescente tiver autoestima baixa, pouca referência afetiva e uma vida muito difícil, será que ele vai se importar com uma punição mais rigorosa? Será que terá tanto medo quanto nós temos, a ponto de deixar de fazer alguma coisa para não ser punido? E não são justamente estes adolescentes que cometem atos infracionais mais graves, os que já não têm uma vida digna a prezar? Muitos já arriscam a própria vida todos os dias convivendo com traficantes, chefes de quadrilhas e gangues, então, por que terão medo da lei? As punições só podem causar medo e impedir o ato quando aprendemos a gostar de viver e sentimos a necessidade de lutar pela vida que ganhamos e construímos. Até mesmo a morte não causará medo em pessoas que não têm perspectiva.

7. Crença de que a prisão educa.
Reduzindo a maioridade penal, adolescentes vão para a prisão. E daí? Depois de tudo o que sabemos sobre as condições dos presídios brasileiros, como ainda acreditamos que um adolescente poderá aprender alguma coisa e se reeducar num sistema que não oferece nenhuma condição de educar ninguém?

8. Crença de que a lei atual é "mole" e o ECA enfatiza apenas os direitos.
Para quem pensa desta forma, o desafio é ler o Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta lei foi criada para proteger os menores de 18 anos de comportamentos gravíssimos cometidos por adultos, como negligência, espancamento e abuso sexual. Mas, ao mesmo tempo em que protege, garantindo os direitos, a lei também exige os deveres e prevê reparações de erro, trabalho comunitário, tratamento e até mesmo privação de liberdade para o caso de jovens em conflito com a lei. Assim, mais uma vez o problema não é a lei que é frouxa, mas o fato das leis existentes não serem cumpridas ou serem cumpridas de maneira inadequada. Muitos adolescentes que são privados da sua liberdade, por exemplo, não ficam em instituições efetivamente preparadas para reeducar estes jovens e acabam reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. Um ambiente adequado para cumprimento de medidas sócio-educativas precisa contar com profissionais preparados e recursos adequados para recuperar o ser humano.

9. Dificuldade de admitirmos a nossa parcela de responsabilidade.
O ser humano, em geral, tem a tendência de olhar muito facilmente a culpa do outro, o erro do outro, o mal que o outro causa, e uma imensa dificuldade em olhar para si e enxergar a sua própria culpa, os seus próprios equívocos, o seu próprio mal. É a velha e sábia história: olhamos para o cisco no olho dos outros e não retiramos o cisco que se encontra em nossos próprios olhos. Assim, defendendo a redução da maioridade penal corremos o risco de olhar apenas para o adolescente e esquecer o nosso próprio egoísmo, nossa falta de solidariedade, nossa indiferença social, nosso consumismo, nossa ostentação... fatores que reforçam a desigualdade social e contribuem para deixar os jovens mais desamparados e perdidos em termos de valores. Não podemos simplesmente querer punir jovens que cometem atos infracionais sem nos lembrar dos nossos descasos cometidos em nosso dia-a-dia.

10. O ódio em alta.
O perdão e o amor em baixa. Este é o ponto mais difícil de ser tratado porque mexe com áreas muito profundas do nosso ser. Certamente a indignação causada pelas notícias de adolescentes que cometem atos infracionais nos leva facilmente ao ódio. O ódio nos leva a procurar uma forma de vingança. Desperta o desejo de dar uma punição extremamente rigorosa a eles. Quando pensamos do ponto de vista da vítima, imaginando o sofrimento pelo qual passou e a dor que atingiu a família, é quase natural que esse ódio seja reforçado. Porém, apesar de difícil, vale à pena o exercício de tentar pensar no lado do adolescente. Um jovem que comete uma barbaridade tem sua vida marcada para sempre (sua consciência e o julgamento da sociedade são cruéis); uma vida que poderia ter se tornado mais um brilho para dar luz ao mundo, foi apagada; uma energia que poderia ajudar na transformação do mundo foi interrompida; uma chama criativa que poderia contribuir para melhorar a raça humana foi extinta, talvez para sempre. Se pensarmos assim, talvez encontremos um espaço para a compaixão e o perdão... porque a vida que fica talvez não sofra menos do que a vida que se foi... Além disso, quando vemos um jovem que se envereda pelos caminhos tortuosos da criminalidade, de certa forma nos deparamos com nosso próprio fracasso enquanto sociedade... fracasso por não termos conseguido conduzir uma vida para sua realização plena e ética, enquanto ser humano.

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