Por Fernanda Campagnucci[1]
Um olhar mais atento para as imagens do professor na mídia não deixa de
captar uma flagrante contradição: de um lado, os docentes são retratados como
heróis, sofredores, vocacionados, vítimas, salvadores – histórias de professoras
que conseguem inovar suas práticas e fazer seus alunos aprenderem, apesar de
todas as dificuldades que enfrentam na estrutura escolar e em sua própria vida;
por outro lado, e com maior frequência, a mesma mídia denuncia como são
preguiçosos os docentes, negligentes, mal formados, desmotivados e acomodados –
faltam ao trabalho, não querem ser avaliados, têm privilégios demais no serviço
público.
No entanto, embora pareçam estar em diferentes extremos, essas duas
imagens carregam um traço em comum: negam ao professor sua condição de
profissional, que deve ser tratado e valorizado como tal. E, curiosamente, não
são poucos os clamores na mídia pela urgente “valorização do professor” como
solução para os gargalos educacionais – pelo contrário, este parece ser um
consenso[2]. O problema é que essa expressão surge esvaziada
de sentido e não traz ao debate elementos para discutir o que, de fato,
significa valorizá-lo: trata-se, atualmente, de um discurso vazio.
Em nome da “urgente valorização dos professores”, articulistas e
editorialistas acabam por reforçar velhas tendências observadas na imprensa,
tais como a culpabilização dos profissionais da educação sobre o mau desempenho
dos sistemas educacionais em avaliações externas e um certo clamor por
abnegação e sacrifícios. Este trecho de editorial publicado após o anúncio de
reformulação do currículo do ensino médio pelo Ministério da Educação –
anúncio, por sua vez, motivado pelo baixo desempenho dessa etapa de ensino no
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – é bastante ilustrativo
desse comportamento: “de nada adianta formular parâmetros curriculares
maravilhosos se não tivermos profissionais preparados para ministrá-lo […] Um
bom educador passa por cima de currículos ruins, supera a falta de
infraestrutura, enfrenta a indisciplina e abre oportunidades de vida melhor
para seus discípulos. Por isso precisa ser reconhecido e valorizado, mas também
acompanhado e cobrado”[3].
A forma mais comum que assume a retórica da valorização docente na
mídia, hoje, tem a ver com a desvalorização econômica da profissão: as falas
clamam principalmente por ganhos salariais e competitividade da carreira, que
deve ser capaz de “atrair os melhores”. Mas, mesmo quando reconhece esta
importante dimensão da carreira docente (uma remuneração justa), o discurso
pela valorização não vem dissociado de uma contrapartida dos professores, seja
pelo “compromisso com o aprendizado” ou pela adoção de mecanismos mais efetivos
de avaliação e monitoramento de seu trabalho. Felizmente, podemos ver aí
um avanço: o discurso de que o aumento do salário dos professores, por si, não
gera melhoria na qualidade da educação parece ter perdido espaço no debate.
A retórica da valorização não só está distante da realidade da carreira,
mas também se descola das políticas e ações que poderiam promovê-la. Como
lembra Bernadete Gatti, “as ênfases valorativas da profissão de professor […]
variam muito conforme a região do país, porém os discursos genéricos existentes
sobre o valor do professor não redundaram em todos os estados e em todos
os municípios em estatutos de carreira, e em salários, que reflitam a
importância retórica a esse profissional atribuída”[4].As
expectativas são altas, mas não se traduzem em ações concretas.
Ao alçar os professores à condição de heróis, as diferentes vozes do
debate público – gestores, pesquisadores, pais e mães, estudantes e, cada vez
mais, empresários – atribuem-lhe funções que extrapolam sua profissão. Ao
culpá-lo pelos maus resultados dos sistemas de ensino, estas mesmas vozes
deixam de cobrar do Estado sua responsabilidade em garantir-lhes condições de
trabalho adequadas, formação inicial e continuada de qualidade, acesso a bens
culturais, participação na formulação das políticas, planos de carreira
estruturados, cumprimento da Lei do Piso Salarial. Nessa polifonia de vozes,
falta o discurso dos próprios professores, silenciados e silenciosos diante do
quadro de desvalorização.
Para superar essa contradição e escapar do jogo de vítimas e culpados, a
sociedade precisa começar por qualificar o que entende por valorização dos
professores e exigir que esta seja mais do que um exercício retórico. A Semana
de Ação Mundial de 2013 promovida pela Campanha Nacional pelo Direito à
Educação chama a atenção para essa necessidade e propõe como mote da discussão
o lema “Nem herói, nem culpado: professor tem de ser valorizado”. Em atividades
por todo o país, a comunidade escolar e todos aqueles que lutam por uma
educação de qualidade terão uma excelente oportunidade para encher de sentido
esta palavra.
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[1] Artigo produzido a partir da pesquisa de mestrado em andamento “O
silêncio dos professores – análise de uma trama social que afasta os docentes
do debate público sobre educação”, desenvolvida pela autora na Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP).
[2] Foram selecionados para esta análise 40 artigos de opinião e
editoriais que usaram a expressão “valorização” dos professores, no universo de
32 jornais no território nacional no período de um ano (2012).
[3] Editorial “Além da Reforma Curricular”, publicado no Diário
Catarinense em 19/08/2012.
[4] GATTI, B.A.; BARRETO, E. S. Professores do Brasil: impasses e
desafios. Brasília, DF: UNESCO, 2009.
Fonte: Blog da SAM 2013
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